domingo, 19 de agosto de 2018

PLANTAR PRA QUÊ?

Tralhas de cará-moela (Arquivo JRS)

Nossa jabuticabeira (Arquivo JRS)

Cará e orquídea (Arquivo JRS)


               Eu aproveito todos os momentos que posso para dar uma olhada nas minhas plantas, no meu quintal, no meu cachorro que por ali vive, nos passarinhos a ciscar ou em seus ninhos... Já apareceu mais de um “sem-noção” que me recomendou a cimentar tudo. “Fica mais fácil de limpar, de lavar etc. Você pode ainda construir uma casa para alugar”. Pobres criaturas!

               Agora, justamente na colheita do cará-moela, começam a florir as orquídeas e, novamente, as jabuticabas vão se avermelhando, se tornando pretas. Que prazer olhá-las! Melhor ainda é poder saboreá-las! Minha esposa é fanática por elas! “O quintal onde passei a minha infância tinha quatro jabuticabeiras que carregavam demais!”.

               A nossa jabuticabeira me faz lembrar de um episódio da minha infância, lá na praia da Fortaleza: numa bela tarde, enquanto aguardava o serão, vovô Armiro olhava para o terreiro, vendo as criações, as flores e as plantas maiores que ocupavam o cisqueiro (bananeiras, cafeeiros, abacateiros...). De repente... na prosa com a vovó...: “Eugênia, eu vou cortar aquele pé de jabuticaba mais novo”. “Por que, Zé Grande?”. “Porque  leva muito tempo pra dar. A gente tá velho, não vai alcançar dando frutas”. “Nada disso, Zé Grande! Deixa ela por ali mesmo! A gente pode não chegar a comer jabuticaba dali, mas os nossos netos irão comer! Isso é que importa!”. E foi o que aconteceu, nenhum dos dois viu a primeira colheita, entre touceiras de banana ouro. Também não durou muito aquela bonita árvore (porque logo um tio resolveu construir a sua casa naquele lugar).

               Coitado do povo que acreditava na especulação imobiliária como solução de seus problemas! “Vamos vender o nosso pedacinho de chão, comprar uma casa na cidade e viver por lá”. “Chega dessa vida de precisar pescar e trabalhar na roça”. “Mais perto da cidade tem trabalho e as crianças poderão estudar”. “Agora não podemos continuar vivendo aqui porque os nossos filhos não querem saber de trabalho na roça, nem querem depender do mar”. “Em qualquer lugar a gente consegue uma casa pra morar de caseiro”. Agora, vendo a marginalização dos netos, das gerações posteriores da minha gente, sinto uma dor no peito. Eles se amontoam em pequenos lotes, trabalham em condições questionadoras de dignidade, se inveteram em vícios que cavam ainda mais a vida miserável. Pior ainda é escutar de pessoas servis ao sistema, escravos da massificação cultural, assim se expressarem: “Caiçara é preguiçoso, não gosta de trabalho”. O que essas pobres criaturas, quase todas migrantes ou descendentes, estão fazendo? Estão subservientes ao sistema, dando sangue para construir mansões, enormes prédios de apartamentos que, pouco a pouco destroem a natureza que nos cerca, a nossa “galinha de ovos de ouro”. Plantam casas nobres, moradias temporárias caríssimas, mas se espremem morro acima, em áreas de brejos de outrora; se suportam em cortiços, em barracos etc.

               Quando a minha filha era pequena, de vez em quando recebia o “castigo” de ficar sentada e ficar por um tempo olhando para o nosso quintal. Que castigo!!! Por tudo isso eu continuo amando minhas plantas e plantando mais ainda, questionando o modo de produção que prioriza o lucro a qualquer custo.

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