Tralhas de cará-moela (Arquivo JRS) |
Nossa jabuticabeira (Arquivo JRS) |
Cará e orquídea (Arquivo JRS) |
Eu
aproveito todos os momentos que posso para dar uma olhada nas minhas plantas,
no meu quintal, no meu cachorro que por ali vive, nos passarinhos a ciscar ou
em seus ninhos... Já apareceu mais de um “sem-noção” que me recomendou a
cimentar tudo. “Fica mais fácil de limpar, de lavar etc. Você pode ainda
construir uma casa para alugar”. Pobres criaturas!
Agora,
justamente na colheita do cará-moela, começam a florir as orquídeas e,
novamente, as jabuticabas vão se avermelhando, se tornando pretas. Que prazer
olhá-las! Melhor ainda é poder saboreá-las! Minha esposa é fanática por elas! “O quintal onde passei a minha infância
tinha quatro jabuticabeiras que carregavam demais!”.
A nossa jabuticabeira me faz lembrar de um episódio da minha infância, lá na
praia da Fortaleza: numa bela tarde, enquanto aguardava o serão, vovô Armiro
olhava para o terreiro, vendo as criações, as flores e as plantas maiores que
ocupavam o cisqueiro (bananeiras, cafeeiros, abacateiros...). De repente... na
prosa com a vovó...: “Eugênia, eu vou cortar
aquele pé de jabuticaba mais novo”. “Por que, Zé Grande?”. “Porque leva muito tempo pra dar. A gente tá velho,
não vai alcançar dando frutas”. “Nada disso, Zé Grande! Deixa ela por ali
mesmo! A gente pode não chegar a comer jabuticaba dali, mas os nossos netos irão
comer! Isso é que importa!”. E foi o que aconteceu, nenhum dos dois viu a
primeira colheita, entre touceiras de banana ouro. Também não durou muito
aquela bonita árvore (porque logo um tio resolveu construir a sua casa naquele
lugar).
Coitado
do povo que acreditava na especulação imobiliária como solução de seus
problemas! “Vamos vender o nosso
pedacinho de chão, comprar uma casa na cidade e viver por lá”. “Chega dessa
vida de precisar pescar e trabalhar na roça”. “Mais perto da cidade tem
trabalho e as crianças poderão estudar”. “Agora não podemos continuar vivendo
aqui porque os nossos filhos não querem saber de trabalho na roça, nem querem
depender do mar”. “Em qualquer lugar a gente consegue uma casa pra morar de
caseiro”. Agora, vendo a marginalização dos netos, das gerações posteriores
da minha gente, sinto uma dor no peito. Eles se amontoam em pequenos lotes,
trabalham em condições questionadoras de dignidade, se inveteram em vícios que
cavam ainda mais a vida miserável. Pior ainda é escutar de pessoas servis ao
sistema, escravos da massificação cultural, assim se expressarem: “Caiçara é preguiçoso, não gosta de trabalho”.
O que essas pobres criaturas, quase todas migrantes ou descendentes, estão
fazendo? Estão subservientes ao sistema, dando sangue para construir mansões,
enormes prédios de apartamentos que, pouco a pouco destroem a natureza que nos
cerca, a nossa “galinha de ovos de ouro”. Plantam casas nobres, moradias
temporárias caríssimas, mas se espremem morro acima, em áreas de brejos de outrora;
se suportam em cortiços, em barracos etc.
Quando
a minha filha era pequena, de vez em quando recebia o “castigo” de ficar
sentada e ficar por um tempo olhando para o nosso quintal. Que castigo!!! Por
tudo isso eu continuo amando minhas plantas e plantando mais ainda,
questionando o modo de produção que prioriza o lucro a qualquer custo.
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