domingo, 4 de junho de 2017

NÓS SOMOS OS RAMOS

         
Vô Estevan e vó Martinha (Arquivo JRS)

               Através da minha voz você saberá dos meus avós por parte de pai. Ambos foram gerados na beira do mar, embalados pelo barulho das ondas e assimilando desde cedo o cheiro da maresia. Assim se encorparam para nos sustentar na cultura caiçara. Vovô Estevan nasceu na Caçandoca, bem cedo ficou órfão de mãe. Também não custou muito para a gripe espanhola matar o pai dele. Assim, ele, o irmão e duas irmãs foram criados por outras pessoas da comunidade. Cresceu como pescador-roceiro. Vovó Martinha nasceu no Pulso. Ainda criança já trabalhava no alambique do avô. Logo se fez parteira e se dispôs o tanto que a vida permitiu a ajudar na vinda de crianças ao mundo. Dentre centenas de nascimentos, eu fui um deles.
               Vovó era decidida, tinha um temperamento forte. Com ela as coisas se resolviam andando. Quero dizer que as coisas não a angustiavam, não detinham suas insistentes passadas e seus persistentes falatórios. De todos se fazia amiga. Andava sempre com braçadas de mato, pois conhecia bem as ervas e seus usos.  Algumas orquídeas que tenho foram presentes dela.
               Vovô era mais tranquilo, nos contava histórias fantásticas. Tinha uma habilidade em encaixar as histórias antigas, de outros lugares distantes, no nosso viver caiçara. Assim, a casa da bruxa, na história de João e Maria, era uma casa de farinha com uma cobertura de sapê bem estragada, daquelas que já estava chegando aos quinze anos de serventia. O passarinho que se comunicava com uma princesa era um tié-sangue. O gigante limpava a bunda com bagaço de cana seco. E por aí seguia em suas narrativas. A gente nem piscava para não perder nada das emoções.

               Os momentos dos meus avós, se fosse nesta época do ano, era na apreensão da chegada das cabeçudas (tainhas) e nos festejos aos santos juninos (João, Antônio e Pedro). Somos os ramos dessa raiz que brotou no lagamar! Por isso, ontem, fui ao mercado de peixe com a minha Gal escolher uma tainha. Quatro quilos e meio: é mole?!? Naquele tempo seria a tara do cardume, a tainha maior para doar ao santo, em contribuição com a festa. Agora, o carvão está sendo avivado para... para... para.... Adivinhou?

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