Vô Estevan e vó Martinha (Arquivo JRS) |
Através
da minha voz você saberá dos meus avós por parte de pai. Ambos foram gerados na
beira do mar, embalados pelo barulho das ondas e assimilando desde cedo o
cheiro da maresia. Assim se encorparam para nos sustentar na cultura caiçara. Vovô Estevan nasceu na Caçandoca, bem cedo ficou órfão de
mãe. Também não custou muito para a gripe espanhola matar o pai dele. Assim,
ele, o irmão e duas irmãs foram criados por outras pessoas da comunidade. Cresceu
como pescador-roceiro. Vovó Martinha nasceu no Pulso. Ainda criança já
trabalhava no alambique do avô. Logo se fez parteira e se dispôs o tanto que a
vida permitiu a ajudar na vinda de crianças ao mundo. Dentre centenas de nascimentos, eu
fui um deles.
Vovó
era decidida, tinha um temperamento forte. Com ela as coisas se resolviam
andando. Quero dizer que as coisas não a angustiavam, não detinham suas
insistentes passadas e seus persistentes falatórios. De todos se fazia amiga.
Andava sempre com braçadas de mato, pois conhecia bem as ervas e seus usos. Algumas orquídeas que tenho foram presentes dela.
Vovô
era mais tranquilo, nos contava histórias fantásticas. Tinha uma habilidade em encaixar as histórias antigas, de outros lugares distantes, no nosso viver caiçara.
Assim, a casa da bruxa, na história de João e Maria, era uma casa de farinha
com uma cobertura de sapê bem estragada, daquelas que já estava chegando aos
quinze anos de serventia. O passarinho que se comunicava com uma princesa era
um tié-sangue. O gigante limpava a bunda com bagaço de cana seco. E por aí
seguia em suas narrativas. A gente nem piscava para não perder nada das
emoções.
Os
momentos dos meus avós, se fosse nesta época do ano, era na apreensão da
chegada das cabeçudas (tainhas) e nos festejos aos santos juninos (João,
Antônio e Pedro). Somos os ramos dessa raiz que brotou no lagamar! Por isso,
ontem, fui ao mercado de peixe com a minha Gal escolher uma tainha. Quatro
quilos e meio: é mole?!? Naquele tempo seria a tara do cardume, a tainha
maior para doar ao santo, em contribuição com a festa. Agora, o carvão está
sendo avivado para... para... para.... Adivinhou?
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