Vovó Eugênia, a nossa querida (Arquivo JRS) |
Mana Ana, uma guerreira.(Arquivo JRS) |
Loira, de olhos verdes: ela mesma! (Arquivo JRS) |
Está
longe o meu primeiro contato com o mundo escolar, onde aprendi as primeiras
lições na cartilha Caminho Suave. Foi na praia da Fortaleza, na casa da tia
Martinha, na pequena sala, onde cada fila de carteiras era uma série. Acho que
não chegávamos a vinte alunos. Lá estudavam a parentada (primos, tios...), a
mana Ana e eu. Vieram as letras a partir das vogais; brotaram as palavras que
deram sentido aos textos. Passei a ler o mundo, no final da década de 1960, com
essas ferramentas.
Vovó
Eugênia nunca foi à escola, mas me deslumbrava na leitura do mundo quando nos
falava da rosa grená, da rosa menina, da rosa negra, do alecrim, do coentro e
da pimenta. Tecia sonhos olhando para os flocos brancos do algodoeiro na porta
da cozinha. Se detendo nas raízes esparramadas no terreiro, dizia: “Ficam lá uma por uma semana de sol. A
batata ganha mais doce e o inhame perde a baba”. Grande prazer viajar nas
suas palavras!
Numa
tarde, bem depois disso, sentado na pedra redonda da porta da sala da casa onde
minha vó não mais vivia, tentei sozinho, com as letras, algo parecido como a
proeza dela. Escrevi:
“A
lágrima de Cristo, tão esverdeada, alcançou o enripamento de jiçara. De lá, do oitão,
joga seus cipós com delicadas flores. A parte de baixo forma um bonito conjunto
com as espadas de São Jorge. Tudo é muito bonito, inclusive as veias dos cupins
no esteio de jacatirão, mas não causa nenhuma inveja ao cheiro dos jasmins, bem
distribuídos no frondoso exemplar verde intenso, próximo da coluna da frente,
na alta calçada onde balançávamos as pernas quando pequenos. Era o lugar
preferido do Peri, o nosso cachorro vinagre.
Eu
espero nunca me esquecer da imagem da vovó nas vezes que passo por aqui. Um
gesto diário dela era dar um gostoso abraço na copada sempre cheirosa do
jasmineiro, tal como uma abelha. De vez em quando uma das netas, cheia de
carinho, ajeitava uma flor em seu chapéu de palha. Quase sempre era um jasmim que
inebriava ao redor. Ela apenas sorria; e, em passos miúdos, continuava os seus
afazeres, lendo o mundo como ninguém mais lia”.
Hoje, não consigo imaginar alguém viver sem ler e sem escrever... Sem registrar este mundo imediato,
que sustenta a nossa existência.
Ah!
E aquela bendita luz de lamparina que, além de deixar preto o meu nariz, até
assombração gerava nas sombras irrequietas?!? Tudo isso hoje é um texto!
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