1993- Eu, Fábio e comunidade na escola do Saco do Sombrio (Arquivo JRS) |
A ESCOLA DA VIDA - Regina Natividade de Azevedo
(Parte II)
Partindo daí, as aulas
tornaram-se ricas, tanto para mim como para os alunos. Na verdade, o que
acontece é que o saber contido no ler, escrever e contar dessa gente é toda uma
cultura já definida. A cultura é a do lugar, e, a escola, ao que parece, desvaloriza
todo um valor cultural contido na vida dessas pessoas. Eis então a dificuldade
que surge: “Saber levar a vida dessa gente para dentro da escola e a escola
transformar-se em vida”. No início acharam estranho o fato de eu estar
interessada em conhecer seus costumes, o modo de vida para, a partir daí,
trabalhar esses dados no currículo. Porém, aos poucos foram me aceitando.
Houve crianças que deixaram de
frequentar a escola por achar que eu não deveria me envolver efetivamente com
outras famílias da praia vizinha. Aos poucos é que fui conseguindo entender o
que estava acontecendo. Houve ainda um ponto de dificuldade no desenvolvimento
do trabalho, quando começaram a surgir problemas de relacionamento, que foram
gerados pelo choque cultural professor/comunidade.
Eu queria partir da realidade
deles, mas por esbarrar nestes problemas, ficou difícil principalmente por eu
não ter com quem desabafar e/ou trocar experiências, ou mesmo dar continuidade
a um sistema construtivista. Sei que eles não estavam acostumados com o sistema
que adotei, pois estávamos deixando de lado velhos costumes como o uso da
cartilha, cópias e partindo para um trabalho mais exigente – em grupinhos, com discussões
– enfim, atividades que passaram a explorar mais o conhecimento.
Eu trabalho com uma classe multisseriada,
com atividades desenvolvidas em conjunto. Toda a produção das crianças é
exposta como forma de se autovalorizarem.
Fizemos trabalho como desenhar
mapas e o local de moradia, procurando fazer o máximo de observações como: o
tipo de vegetação, as construções das casas, o trajeto casa-escola, a escola e
sua localização etc. Chegamos até a pesquisar um pouco sobre a história da vida
de cada um, o que fazem em relação a trabalho, lazer, escola. Dessas atividades,
cada criança elaborou seu próprio livrinho de história. Antes, porém,
trabalhamos em cima de diversas leituras, de diversos autores. A meu ver, no exercício
de leitura, era e é preciso saber trabalhar
os conteúdos antes da mesma (da leitura), de forma que as crianças possam
assimilá-los. Não foi fácil porque nem tudo que para nós é bom e interessante
tem para essas crianças a mesma importância. E como desenvolver um trabalho que
agradasse a todos ao mesmo tempo, inclusive a alguns pais que pareciam no
início estar preocupados com a validade do novo método. Haja fôlego!
Depois de um tempo participei de
um curso sobre alfabetização na pré-escola, cujo tema central era não
desvincular as disciplinas umas das outras, e nem da realidade das crianças.
Voltei para a escola mais confiante, trabalhando assim a interdisciplinaridade.
Passei a usar alguns livros que me ajudavam no preparo das aulas quanto ao
objetivo, conteúdo, estratégia, interdisciplinaridade e avaliação no decorrer
das atividades. “A Proposta Curricular para a Educação na Pré-escola”, da CENP,
2ª edição, 1991. E também as propostas curriculares para o ensino das diversas
disciplinas.
Resultados
Como principais resultados e/ou
mudanças tivemos:
1º) O registro de algumas informações sobre a comunidade do Sombrio.
2º) Um maior conhecimento das crianças sobre a história do lugar onde
moram e onde nasceram.
Durante o ano também fizemos
planos para outras atividades que não puderam ser realizadas, como a horta por
exemplo. Pretendo retomar essas atividades no próximo ano.
Conclusão
É nessas escolas, com essas
condições, que professores recém-formados, sem experiência, dão início à carreira,
no Sistema de Educação. Geralmente o professor não faz a escolha. Essas escolas
são “sobras”. Sem falar que assumir essas escolas é fazer também uma opção de
vida, que vai além da opção de trabalho, porque é aqui que passamos a maior
parte do nosso tempo, dependendo de “canoa” dos pescadores para sair, o que às
vezes é difícil, mesmo em época de pagamento, reuniões e caso de emergência. E,
por mais que a gente se infiltre na vida dessa gente, acho que jamais
deixaremos de ser “estrangeiros” aos olhos deles. Afinal, o que trazemos e
temos para oferecer é bastante diferente. O nosso padrão cultural é outro. E,
mesmo que achemos que temos a mesma condição de classe, embora façamos parte de
uma mesma classe social (dos oprimidos, uma classe tão lesada e castrada de seus
direitos), ela se diferencia um pouco.
É também aqui, nestas ou em
condições até piores, que vivemos e, dependendo da maneira com que assumimos o
trabalho e a vida no trabalho, vale a pena viver essa experiência apesar de
tudo a que estamos sujeitos. O desafio é grande. Porém, se aprendermos a
superar as dificuldades, o resultado é ainda maior! E é por isso que vale a
pena continuar.
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