Socó-boi. (Fonte: internet) |
Noutros tempos, em Ubatuba, nós
caiçaras só usávamos água dos rios, ou seja, não tínhamos água encanada.
Algumas pessoas tinham seus poços d’água no terreiro, mas eram poucas. Deste
contexto já se passaram cinquenta anos.
Em cada rio havia um “porto”,
uma referência: “Porto da Jorgina”, “Porto da Tia Rita”, “Porto da Tia Santa”
etc. Onde a minha mãe se debruçava em vários momentos do dia era o “Porto da
Laura”. O “Porto da Vó Martinha” era o último, quase na vargem que se encontra
com o Morro do Amorim. Nestes lugares se
areava panela, lavava roupa, consertava peixe, limpava caça etc. Também era
onde a gente passava o balaio para pegar camarão, pescava lambaris, muçum,
bagre etc. Até cágados eram fisgados por nossos anzóis.
De vez em quando apareciam uns
homens. “É gente da malária”, dizia a mamãe. “Eles tacam veneno na água para
matar borrachudo”. Hoje, são funcionários públicos, da SUCEN (Superintendência de
Controle de Endemias), com um detalhe: não os vejo com a mesma regularidade de
antigamente.
Naquele tempo, na tarefa de combater
borrachudos e outros insetos, eles usava um veneno poderoso. “É BHC”, dizia o
papai. Hexabenzeno de cloro. “Por isso
mata tudo”. E matava mesmo! Que crime!!! Lembro-me bem de várias ocasiões em
que vi a água esbranquiçada repleta de peixes mortos ou ainda se debatendo
desesperadamente, descendo em rumo ao mar. Os camarões até saíam margem acima
fugindo da morte que estava na água. Até cágado e marisco do barranco pedregoso
morriam. Foi neste contexto que o Tio Antônio Félix contou:
- Sabe que hoje eu me admirei
muito com um socó, lá na ponte que vai para o engenho, perto da casa da Tia
Brandina? Foi assim: no pau da ponte estava pousado um socó olhando para a água
que arrastava uma montoeira de peixe morto por causa do “veneno da malária”. De
repente, ele enxergou um muçum que ainda se debatia. Logo ele mergulhou e
pescou aquele bicho escorregadio que seguia para a maré baixa. Era dos grandes,
de mais de dois palmos de tamanho. Em seguida voltou ao pau onde estava e
engoliu a sua refeição. E aí aconteceu o inesperado: não demorou quase nada,
logo o que foi comido já estava saindo pelo outro lado, sendo descomido e
caindo de novo no rio. Ao avistar aquele muçum lerdeando na superfície, de novo
o socó mergulhou e repetiu o mesmo ritual anterior, inclusive descomendo em
seguida. E de novo o socó avistou o mesmo muçum “dando sopa” na água. E ele fez
as mesmas coisas: mergulhou, pousou, engoliu e defecou. E fez muitas vezes! Eu
fiquei mais de hora vendo a bobeira do socó. Foi de admirar!!!
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