Carcará na praia (Arquivo JRS) |
A juventude que se edifica no espaço caiçara pode e deve rever conceitos que impedem novas e libertadoras atitudes. Foi-se o tempo em que, devido ao isolamento geográfico, o nosso viver era mais simples e sem afetação dos grandes temas da humanidade. O sentido da vida tem que ultrapassar as mensagens muitas vezes imbecis e alienantes veiculadas nos minúsculos aparelhos eletrônicos, nas redes sociais etc. O desafio é alcançar uma totalidade reflexiva . A frase cristã de "quem é fiel no pouco é fiel no muito" pode ser ilustrativa na vontade de rever todos os aspectos da vida em sociedade (política, ambiental, comportamental etc.) a partir das mínimas ações.
Um
dos meus professores, na minha relativa distante
adolescência, era um grande idealista, um motivador dos nossos sonhos, tal como
a maioria dos mestres que tanto estimo. Para entender o que vem a seguir, é
preciso contextualizar aquele momento histórico: vivíamos sob o governo do
general Médici, começando a década de
1970, em que era exercido um grande controle das liberdades, com censuras e
punições horrendas a qualquer iniciativa considerada subversiva do ponto de
vista moral e político.
Voltando
ao professor em questão, percebendo que éramos resultado de uma sociedade
simples, comandada pela religiosidade católica que ainda nem tinha assimilado o
básico das revisões doutrinárias do Concílio Vaticano II, ele desenvolvia
estratégias interessantes, com métodos exigentes de dedicação e estudos. Numa
ocasião, ao abordar a sexualidade humana, ele advertiu: “O momento político que
vivemos no Brasil é tenso; talvez eu até perca o meu cargo como professor de
vocês, mas eu acredito que é mais correto vocês aprenderem comigo, a
partir das pesquisas sérias e
atualizadas, do que serem instruídos pelo ‘açougueiro da esquina’, de forma
equivocada e até mesmo com segundas intenções”. E assim eu e a minha turma
aprendemos sobre o próprio corpo, as questões higiênicas, os temas polêmicos da
discriminação étnica, homossexualismo, machismo etc. Sem dúvida, esse mestre
foi alguém que lançou outras luzes na nossa vivência. Atualmente, relembrando ou
reencontrando colegas daquela turma, sinto o quanto fez diferença ter um
professor que ousou mais do que os outros.
O
que estou pretendendo com esta introdução? É simples: a família deve ser a
porta de entrada do processo educativo das pessoas, mas a escola, no seu papel
formativo, não pode se omitir de fornecer mais elementos para a constituição da
cidadania plena. Assim, preconceito étnico, diversidade cultural, meio
ambiente, violência contra homossexuais, desigualdades sociais e outros temas
são, sim, pertinentes e urgentes. Caso contrário, prevalecerá as mentalidades
tacanhas de fanáticos (políticos, religiosos etc.), de uma gama de gente ingênua
ou mal intencionada, desejando se aproveitar , impor ideologias escravizadoras.
A História, através de personagens singulares, nos ensina a partir de outros
pontos de referência, fermenta novas atitudes. O Velho Sócrates, por exemplo,
foi acusado de “corromper a juventude” por trazer reflexões até então descabidas na
sociedade ateniense do século V a.C.
Enfim,
como é triste se deparar com jovens que abraçaram ideais preconceituosos,
muitas vezes advindos do berço, da educação familiar! São caminhos fechados
para a possibilidade de uma vivência de alteridade, de saber que eu existo a partir
do outro, de que é extremamente necessário um olhar diferenciado na compreensão
do mundo e das contribuições do outro, do diferente. Preconceitos em outros
tempos promoveram caça às bruxas,
escravidão, violência doméstica, atos terroristas etc. E ainda hoje é assim!
Escrevi
isto porque acabei de ouvir a seguinte frase na retórica de um jovem estudante
do Ensino Médio: “Filho meu que der mostras de ser bicha vai apanhar na cara
até virar homem”. É...passa ano... vem ano... "todas as novidades são suspeitas
e é melhor conservar as velharias”. Juventude
com concepções assim vai protagonizar o quê?
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