Olha a turma da boa prosa! (Arquivo JRS) |
Via
de regra, cada geração vai encontrando a seu tempo, novos desafios ou
atualizações de alguns que nunca desapareceram. São “situações novas”, trazidas
à história por intermédios de empreendimentos, de estrangeiros, de avanços tecnológicos
ou por pessoas com outras visões de mundo, ávidos por lucros fáceis, buscando uma vida
boa etc.
Conforme
eu já escrevi, no século XX, logo no começo, os jovens caiçaras de Ubatuba
migravam para outros lugares atrás de emprego, de dinheiro. A Baixada Santista
era o lugar preferido onde, nos bananais e nas docas era possível arranjar uma
classificação. Era penoso esse deslocamento. O padre João (Johannes Beil),
pároco em Ubatuba naquele tempo, teve ao menos duas iniciativas importantes na
região: a primeira foi a fábrica de beneficiamento da caxeta tão abundante nas
áreas de brejos, nas gamboas. A segunda, na praia dos Barreiros, na Ilhabela,
ele criou uma escola de pesca, onde adolescentes e jovens caiçaras tinham aulas
no ofício em que nasceram e foram criados. Eu mesmo tive quatro tios que
passaram pela Escola de Pesca dos Barreiros. Na semana passada, juntamente com
o meu filho Estevan, ouvimos o que o Tio Aristides tinha a nos contar nesse
assunto.
“Eu estava por volta dos 18 anos quando fui
para a escola dos Barreiros, criada pelo padre João. O Nié Carlota, o Tonico e
mais alguns foram na mesma época, por volta de 1958. Éramos, ao todo, cinquenta
alunos por turma.
A rotina da escola
era rezar, tomar café, fazer exercícios de educação física, estudar e trabalhar.
Estávamos divididos em duas turmas que se revezavam: uma estudava no primeiro
período enquanto a outra trabalhava na roça ou na pesca, produzindo o sustento
da escola. Depois do almoço, aquela turma do trabalho se empenhava nos estudos
enquanto quem já tinha estudado na parte da manhã, agora se dedicava ao
trabalho. Eu fiquei lá pouco tempo porque era praticamente a mesma coisa que a
gente já estava acostumado a fazer. Achei que era mais útil eu voltar e ajudar
o meu pai e meus irmãos em casa”.
Então,
nesse momento, dentro do assunto de pesca, o tio nos mostrou o seu diploma,
conseguido na Escola de Pesca de Santos. No início da década de 1960, ele se
dedicou com muito afinco em conseguir outras condições na carreira de pescador.
“Eu e o Tobias do Tio Ezídio estivemos na
mesma escola. Após a formatura, fomos admitidos na mesma companhia. Era uma
empresa japonesa – a TAYO. Só no nosso litoral ela operava com sete barcos,
sendo quatro na pesca de parelha e três no espinhel. O Tobias logo estava
embarcado numa baleeira, pescando na região de Cabo Frio, no Rio de Janeiro. O
meu barco era o Tokayo XV, cuja tripulação era composta de oito japoneses e
oito brasileiros. A exigência da capitania era, sendo o capitão japonês, o
imediato teria de ser brasileiro. Era embarcação para pescar cinco toneladas
por dia.
A gente pescava
fora, bem longe da costa. A viagem durava cinco dias e cinco noites na direção
do sol. Outros barcos da companhia que me lembro bem: Azuma Maru, Akashi Maru,
Akashi XXXII e Akashi XXXIII. Eu fui demitido porque comecei ver coisa errada,
não me conformava com aquilo e denunciei. Era o seguinte: os atobás pousavam no
convés para comer aquela miuçalha descartada, os japoneses, munidos de cacetes
ou dando chutes, matavam os pássaros. Quem conhece os atobás, sabe que eles não
descolam imediatamente, precisam cair para sair batendo as longas asas. Eram
presas fáceis, né? Outra denúncia contra essa empresa era a matança de filhotes
de baleias, fora do tamanho permitido naquela época. Os bichos, coitados,
ficavam boiando pelo mar.
A TAYO também fazia
contrabando, em viagens que duravam até dois meses até a divisa com a
Argentina, com ordem para não chegar em nenhum porto, enfrentado toda e
qualquer tempestade em alto mar. Lá no extremo sul, os barcos encontravam com
embarcações que vinham do Japão com relógios, botas, pulseiras, anéis etc. Quem
se preocupava em fiscalizar um barco pesqueiro? Muitas vezes os objetos de mais
valor vinham enfiados dentro das barrigas dos peixes grandes, congelados em
câmara fria. Isso era o ano de 1962. Então, não é de hoje que a gente tem de
refletir sobre o que fazer diante das coisas erradas que nos rodeiam, não é
mesmo?”.
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