"Lá descansa o Mar Virado" (Arquivo JRS) |
O Alcides Inocêncio, o “Arcide Bambá”,
descendente de negros da Ilha do Mar Virado, terminou seus dias na Praia do
Perequê-mirim, em Ubatuba. Em qualquer momento que a gente se encontrava ele
cumprimentava: “Olá, primo! Tudo bem?”. Os laços vinham de longe, da Tia
Gaidinha, a segunda esposa do Nhonhô Armiro.
Sempre nos demos muito bem. O “Bambá” adorava contar histórias da ilha onde nasceu, das prosas e dos causos escutados nas rodas de conversas, sobretudo a respeito dos ancestrais negros. Foi dele que, pela primeira vez, ouvi a referência ao “cucochila fuá” (será que não era fué? nem sei se é assim que se escreve), um recurso para avisar que alguém tinha morrido no porão do navio tumbeiro, na travessia da África para o Brasil. “E era muito recorrente isso!”.
- Mas que palavra é essa? Quem lhe ensinou? O que quer dizer?
- Era dizer da mamãe e de mais gente que era a nossa parentalha. Diziam que era
palavra da língua da terra deles, de Angola, na África. Pelo que contavam, o
porão do navio ficava entulhado de gente que era trazida para ser escravo nas
fazendas dos portugueses. Era muito sofrimento! Só poucas horas por dia a
claridade entrava naquele lugar. E sempre morria alguém naquele amontoado de
coitados. E o que faziam então? Começavam a cabecear na madeira da embarcação,
no calado. Ouvindo o barulho, sentindo a trepidação, os vigias abriam o
alçapão, retiravam o defunto, entregando-o às águas do mar, onde “Calunga” era
quem dominava. O rumor causado pelas cabeçadas, a manifestação, era “cucochila
fuá”. Mamãe, de vez em quando, quando tinha a impressão de alguma coisa batendo
perto de casa ou mesmo na parede, exclamava: “É cucochila fuá! É morte chegando!
Todos nós vamos passar por ela!”.
Nesta ocasião, celebrando o tema da Consciência Negra, vamos refletir, dar muitos
passos para refazer nossos conceitos e rever nossas ações para um mundo mais
justo e fraterno. No dia 20 de novembro de 1694, quando Zumbi foi morto, algo
ficou e se tornou motivação para que os negros lutassem por inclusão social. Nas
raízes modificadas, misturadas e recriadas está a matriz do samba, da capoeira,
da cocada, do vatapá, do candomblé, do samba de roda e de tantas outras
maravilhas que compõem o Brasil, que se compõem nos brasileiros.
Aos descendentes do
Alcides, do Eugênio e de tantos outros caiçaras que se originaram no Mar Virado
só desejo que sintam muito orgulho das barreiras que venceram desde que
deixaram a Mãe África. A consciência caiçara deve muito aos sobreviventes da
Rota dos Orixás.
Lindo texto, parabéns Zé!!!!
ResponderExcluirÉ nosso porque é da nossa gente, primo! Um abraço.
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ExcluirParabéns pelo blog! excelente!
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