quinta-feira, 19 de novembro de 2015

RESISTÊNCIA EM NOSSO CHÃO

"Lá descansa o Mar Virado"  (Arquivo JRS)
          O Alcides Inocêncio, o “Arcide Bambá”, descendente de negros da Ilha do Mar Virado, terminou seus dias na Praia do Perequê-mirim, em Ubatuba. Em qualquer momento que a gente se encontrava ele cumprimentava: “Olá, primo! Tudo bem?”. Os laços vinham de longe, da Tia Gaidinha, a segunda esposa do Nhonhô Armiro.

        
        Sempre nos demos muito bem. O “Bambá” adorava contar histórias da ilha onde nasceu, das prosas e dos causos escutados nas rodas de conversas, sobretudo a respeito dos ancestrais negros. Foi dele que, pela primeira vez, ouvi a referência ao “cucochila fuá” (será que não era fué? nem sei se é assim que se escreve), um recurso para avisar que alguém tinha morrido no porão do navio tumbeiro, na travessia da África para o Brasil. “E era muito recorrente isso!”.

                - Mas que palavra é essa? Quem lhe ensinou? O que quer dizer?

                - Era dizer da mamãe e de mais gente que era a nossa parentalha. Diziam que era palavra da língua da terra deles, de Angola, na África. Pelo que contavam, o porão do navio ficava entulhado de gente que era trazida para ser escravo nas fazendas dos portugueses. Era muito sofrimento!  Só poucas horas por dia a claridade entrava naquele lugar. E sempre morria alguém naquele amontoado de coitados. E o que faziam então? Começavam a cabecear na madeira da embarcação, no calado. Ouvindo o barulho, sentindo a trepidação, os vigias abriam o alçapão, retiravam o defunto, entregando-o às águas do mar, onde “Calunga” era quem dominava. O rumor causado pelas cabeçadas, a manifestação, era “cucochila fuá”. Mamãe, de vez em quando, quando tinha a impressão de alguma coisa batendo perto de casa ou mesmo na parede, exclamava: “É cucochila fuá! É morte chegando! Todos nós vamos passar por ela!”.

                Nesta ocasião, celebrando o tema da Consciência Negra, vamos refletir, dar muitos passos para refazer nossos conceitos e rever nossas ações para um mundo mais justo e fraterno. No dia 20 de novembro de 1694, quando Zumbi foi morto, algo ficou e se tornou motivação para que os negros lutassem por inclusão social. Nas raízes modificadas, misturadas e recriadas está a matriz do samba, da capoeira, da cocada, do vatapá, do candomblé, do samba de roda e de tantas outras maravilhas que compõem o Brasil, que se compõem nos brasileiros.


Aos descendentes do Alcides, do Eugênio e de tantos outros caiçaras que se originaram no Mar Virado só desejo que sintam muito orgulho das barreiras que venceram desde que deixaram a Mãe África. A consciência caiçara deve muito aos sobreviventes da Rota dos Orixás.

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