sábado, 31 de agosto de 2013

CAIÇARADA

O mar...a lida de cada dia... (Arquivo JRS)

        Ontem, juntamente com a família, passei na Caiçarada para degustar uma comida bem nossa: tainha e pirão. Mais importante foi rever muitos amigos, poder cumprimentá-los e sentir o clima de empolgação na Ilha dos Pescadores.
        A Ilha dos Pescadores, uma feitoria de pescados desde 1937, tem uma energia especial, muito positiva no propósito de reforçar a nossa identidade caiçara. Neste momento, recordo-me de tantas pessoas que me inspiraram a refletir a partir do ser pescador. Por exemplo: Maneco Hilário, Jean-Pierre e dona Silvia Patural, Florindo Teixeira Leite, Aládio, Acácio Quintino, tio Chico Félix, tio Genésio Mesquita, dona Isaura e vovô Armiro. Eles são parte dessa energia.
        É a energia das remadas, dos cálculos das ondas e das marés; das correntezas, das observações nas calmarias e carrancas no céu; das embarcações e suas tralhas; das alegrias após chegar na praia com pescados em abundância...E por que não dizer das festas (religiosas e profanas) que coroavam cada etapa do ser caiçara?!
     Nem imagino Caiçarada sem regata de canoa, sem peixe-com-banana verde, sem farinha de mandioca, sem consertada, sem piché, sem garapa, sem xiba, cana-verde, fandango, congada, ciranda e tantas outras coisas do meu povo.
      Talvez seja o momento de insistir num projeto antigo: revitalizar a Ilha dos Pescadores para ser um atrativo o ano todo.  Ubatuba merece muito mais!

quinta-feira, 29 de agosto de 2013

DÁ-LHE, MINGO!

mar

O oceano é verde esmeralda brasileira
até onde o fôlego alcança
porém, no mar de fora,
nas lonjuras do abismo submarino,
o oceano fica verde escuro misterioso.
Se meu fôlego fosse igual
descobriria os continentes submersos,
novas formas de vidas
e outras rimas para estes versos.

Domingos Fábio - 2013.

quarta-feira, 28 de agosto de 2013

FESTA NA ILHA DOS PESCADORES

"O mar não tá pra peixe! Toca pra terra."(Arquivo JRS)

Se aproximando de mais uma festa na Ilha dos Pescadores, encontro com o “Ostinho” (Washington de Jesus, filho de Tobias e Carminha) na correria: “Estou fazendo uma casa caiçara logo ali. É para ser um grande atrativo na Caiçarada”. “Que ótimo!”. Depois fico tentado a procurar algum texto para que mais gente saiba da origem, do alicerce da nossa Colônia dos Pescadores (Z10). A informação está no livro do Terceiro Centenário de Ubatuba (1937):

Cerca de 14 horas, realizou-se a cerimônia de inauguração da Feitoria de Pesca, dependência da Secretaria da Agricultura, que funciona em prédio próprio,especialmente construído, junto ao mar e ao lado da foz do chamado Rio Grande, local onde nos tempos antigos de Ubatuba ficava o “velho porto”.
Presentes estavam os senhores professor Teodorico de Oliveira, representando o senhor secretário da Agricultura; capitão de corveta Renato Guilhobel, comandante  do contra-torpedeiro “Maranhão”, representando o Ministério da Marinha...[...]
Formavam em frente ao prédio da Feitoria de Pesca, os alunos do Instituto de Pesca de Santos, com bandas de música e corneteiros que, ao iniciar-se a solenidade, tocaram o Hino Nacional.
Falou, então, referindo-se aos grandes benefícios que a Feitoria virá prestar aos pescadores de Ubatuba, o professor Teodorico de Oliveira, dizendo que o novo estabelecimento, além das vantagens que trará à própria população de Ubatuba, como meio de assistência, desde a conservação do pescado no frigorífico à colocação do produto nos mercados de consumo, tem ainda no seu programa, uma parte inteiramente destinada à instrução moral e material dos pescadores, principalmente com referência aos conhecimentos técnicos que todos deveriam ter sobre o assunto. [...]
  Falou nessa ocasião o professor Benedito Marques de Oliveira, que se referiu elogiosamente ao professor Teodorico de Oliveira, dizendo-o o idealizador e realizador da instalação daquela Feitoria, pelo que era merecedor, sem dúvida, da gratidão do povo de Ubatuba e dos aplausos de todos quanto desejam o engrandecimento da terra paulista.
Logo depois do ato inaugural da Feitoria de Pesca, os presentes dirigiram-se ao grupo escolar “Dr. Esteves da Silva”, onde se achava instalada a Exposição de Produtos Agrícolas e Industriais de Ubatuba, para a respectiva inauguração oficial. Esta foi feita pelo presidente da Câmara, sr. Edward Graça, falando em seu nome o sr. Ernesto de Oliveira Filho, diretor do grupo escolar.

É isso! Quantos pescadores sabem disso? E o que dizer, então, dos demais moradores de Ubatuba, sobretudo dos migrantes em busca da Terra Prometida? 

A Caiçarada, na sua oitava versão, não pode abrir mão de resgatar a memória de empreendimentos e de pessoas devotadas ao desenvolvimento do município e dos caiçaras. Onde poderia ocorrer uma exposição nos moldes daquela primeira, de 1937? 

       Em tempo:
       O que fazer para dar um fim nas propagandas que se inserem nas nossas páginas sem nenhuma autorização? 

terça-feira, 27 de agosto de 2013

UTOPIA E AMIGOS

É preciso enxergar as belezas de nossos caminhos. (Arquivo JRS)

       Bem-vindo, João Silvestre! Você é o centésimo seguidor do blog!

Ontem fui interrompido durante a leitura. Era o meu filho Estevan: “Pai; telefone. O nome dele é João Silvestre”.  Na hora, com este nome especial que lembra a natureza, os nossos frutos silvestres, tive na lembrança o meu amigo João, morador, em 1986, na cidade de Santo André, no bairro Parque São Jorge, bem na divisa com o município de Mauá. Na sua casa eu era acolhido por seus humildes pais e irmãos. (Um simples cafezinho era um aconchego que me fazia muito bem nas saudades que sentia do meu pessoal ubatubano). Por muitos minutos entabulamos uma prosa cheia de saudade. Agora, morando em São Bernardo do Campo, ele também é casado com a Alessandra e pai do Pedro Gabriel.
Após a nossa conversa, fui explicar para o meu filho o motivo de tanta euforia. É lógico que comecei com uma brincadeira! “Estevan: sabe quem expulsou São Bernardo da Borda do Campo? Não? Foi o Juíz de Fora!”. Foi nesse estilo caçoante que eu amealhei um grupo de amigos muito bom em Santo André (João,  Cássia, Marcos, Magali, Zélia, Iraci, Solene, Hélio, Rosana, Yara...). Da minha casa até o referido bairro, eu caminhava alguns quilômetros desfrutando das ocupações urbanas, mas também em caminhos ainda pelo mato. Era um prazer e uma compensação pela zona industrializada que me circundava.
Contar, rever, escutar, rememorar gente e fatos que nos marcaram faz construir coisas novas com os retalhos. É, sobretudo no caso da cultura caiçara, a oportunidade de reforçar a nossa memória, de destacar as pessoas que deram a sua contribuição para o estágio que hoje vivemos. É o caso da saudosa Maria Balio, a nossa vizinha na Praia do Sapê nos idos de 1960. A seguir, um depoimento (Os caiçaras contam; SP- 2000) dessa incansável mulher que nos deixou há menos de dez anos:

“Em 1952 eu consegui a primeira escola do Sertão da Quina. Não tinha onde lecionar e então a prefeitura comprou uma casa de pau-a-pique, com portas e janelas caindo. E ali eu dei aulas para quinze alunos. Nessa época, não recebia da prefeitura nem de ninguém. Eu pegava os papéis de embrulhar pão, recortava no tamanho de folhas de caderno e costurava à máquina. Estes eram os cadernos que eu distribuía para meus alunos. Anos depois, em 1959, fui lecionar na Praia [Grande] do Bonete, onde também não tinha escola, e todos ficaram muito felizes com a novidade. Comecei a dar aulas num galpão, na beira da praia. quando chovia, os cadernos voavam com o vento e tínhamos de suspender as aulas”.

Hoje, ao acompanhar, na média, 750 alunos por ano, em duas aulas semanais, presencio uns absurdos, típicos de quem passou muito longe “do pão que o Diabo amassou”. São cadernos que viram bolas de papéis para fazerem “guerrinhas”, são lápis, réguas e borrachas despedaçados pelo simples prazer de sujar o meio ambiente. Quão longe parece estar a felicidade de conhecer cada vez mais e melhor para partir cada ideia em pedaços e refazer ideais que reconstruirão o nosso viver nesta ilha chamada Terra!
         Eu tenho a certeza que é com os amigos - próximos e distantes!  - que a gente se fortalece nessa utopia.
Valeu, João! Eu espero nunca deixar de enxergar as belezas de nossos caminhos! De que valeria uma utopia sem os amigos?

Em tempo: Na minha infância, a escola da Praia Grande do Bonete (que ainda está bem preservada), ficava na casa do finado Adelino Rosendo, bem no canto direito, na boca-da-barra. Atualmente, o proprietário é o doutor Roberto. Seria interessante alguém recolher depoimentos de alguns dos ex-alunos da Maria Balio, tanto no Sertão da Quina quanto no Bonete. Isto é um aspecto importante da nossa alfabetização: preservar a memória para poder propor algo em vez de copiar. É o nosso alicerce cultural!

sábado, 24 de agosto de 2013

“VOU PRECISAR, SIM!”


Vovó Martinha me deixou como herança algumas orquídeas. (Arquivo JRS)


Nesta semana, coisa de poucos dias atrás, estava eu na fila de um órgão público estadual (AME - Caraguatatuba), zelando da saúde, quando uma moça portando prancheta e caneta se aproximou de quem estava na minha frente, uma senhora um pouco mais velha do que eu.  Logo foi se apresentando como alguém que queria fazer algumas perguntas a respeito do atendimento prestado por aquela unidade. Achei legal! São coisas desse tipo que dão a sensação de disposição para melhorar o serviço público!
A moça, muito educadamente foi fazendo perguntas: “Nome e idade”. “Cidade onde mora”. “Quantos quilômetros a senhora viaja para ser atendida aqui?”. “Foi bem atendida na recepção?”. “Usou o banheiro? Ele estava limpo?”. A entrevistada foi respondendo com muita solicitude e clareza. 
Em seguida, vieram as questões mais pertinentes: “Precisou do serviço social?”. “De 0 a 10, que nota a senhora daria por esse serviço?". A dona, pessoa simples,  em todos os quesitos, se não me engano, deu nota máxima. Estava feliz.
Encerrando o questionário, veio a especial: “E a Ouvidoria? A senhora teve necessidade dela?”. Imediatamente veio a resposta: “Não, moça. Ainda não! Mas estou pensando em marcar um exame lá. Vou precisar, sim! Você sabe que já há algum tempo, neste ouvido direito, deste lado de cá, eu tenho sempre uma chieira?!?”

segunda-feira, 19 de agosto de 2013

LEMBRANDO DO NEY MARTINS


Julinho Mendes 

Olá, Helena Kawall! Seja bem-vinda!

        Neste texto, o Júlio, continuando nas suas andanças com a Claudia, faz questão de lembrar o saudoso Ney Martins (que não era caiçara, mas que abraçou as nossas manifestações com muita empolgação, sendo um dos maiores incentivadores que se tem notícias). É isso: vai-se o homem; fica a memória. Só ela pode ser eterna na cultura humana.

Um dia, conversando com o saudoso Ney Martins, ele dizia que ficou maravilhado com o Festival do Folclore da cidade de Olímpia; mostrou-me algumas fotos e falou da beleza que viu nos grupos folclóricos brasileiros. Depois dessa conversa, isso já faz muito tempo, tive muita vontade de conhecer Olímpia, e hoje realizei esse meu sonho; juntamente com minha companheira Claudia Gil, planejamos e fomos conhecer Olímpia que fica na região noroeste do estado de São Paulo, distante de Ubatuba aproximadamente 630 km, é a Capital do Folclore Brasileiro.
E realmente, foi maravilhoso conhecer o folclore brasileiro reunido em Olímpia, num festival que durou dez dias, com grupos tanto folclóricos, aqueles tradicionais como Folia de Reis, do Divino, São Gonçalo, Bumba Meu Boi, Cavalhada etc., como os grupos para-folclóricos que são aqueles que trabalham em pesquisa, buscando representar através de danças, músicas, vestimentas e alegorias, num conjunto de apresentações características de cada região.
Foi dessa visita em Olímpia que Ney Martins introduziu aqui em Ubatuba a “Caiçarada”, onde na primeira festividade, organizou uma grande festa com grupos convidados de lá, do Festival de Olímpia. Foi um grande sucesso aqui também em Ubatuba a iniciativa do Ney. Olímpia insistiu no evento e hoje, em seu 49º festival, atrai turistas do mundo inteiro.
Por que Ubatuba não insistiu na iniciativa do Ney Martins para dar continuidade na Caiçarada e tornar Ubatuba a capital litorânea do folclore e com isso termos mais um atrativo fora de temporada de verão? Aqui tem cabeça de boi enterrado? A resposta é simples! Não! Aqui tem a tal praga de Cunhambebe? Não! Nada disso, minha gente! Aqui sempre teve politiqueiro olhando só pro seu umbigo! Aqui sempre teve gente desqualificada assumindo cargo de suma importância para o desenvolvimento da cidade. Enfim, essa questão de folclore, cultura caiçara, meio ambiente e outras coisas a mais como meio de atração turística, nunca foi feita com profissionalismo aqui em Ubatuba.
Se eu tivesse dinheiro, colocaria essa turma de politiqueiros de Ubatuba num ônibus e mandaria passar uma semana em Olímpia, para conhecer e aprender como fazer para atrair turista com cultura e com água. É, Olímpia não é só a capital do folclore, tem lá também muita água que transformaram num dos maiores parques aquáticos do Brasil. Com R$ 24,00 (meia entrada para criança, professor e idoso) você passa o dia inteiro se banhando e se divertindo nos mais diversos brinquedos aquáticos para toda idade, com toda segurança, com todo aparato de restaurante e quiosques padronizados com diversos comes e bebes, estacionamento gratuito, e o principal: sem exploração ao turista, preço justo que ninguém precisa levar de casa caixa de isopor com cerveja gelada e sanduíches, como acontece aqui (pensamento mesquinho que afasta e desagrada o turista), em vez de agradar e fazer com que ele fique satisfeito e volte sempre. É essa a mentalidade dos empresários, comerciantes de lá, se ganha na satisfação e na qualidade.
Eu recomendo Olímpia para se visitar e conhecer todo o folclore brasileiro e suas termas!
Mas tenho fé que Ubatuba, um dia vai crescer, tendo em sua mentalidade administrativa investir em profissionais eficientes em cada área, que valorize a cultura local, que entenda que nosso meio ambiente (cachoeiras, praias, pássaros, mata...) é a galinha dos ovos de ouro, enfim, a hora que lapidarem essa pedra, Ubatuba vai brilhar! Estou com esperança e aguardando por isso!

(Fonte: O Guaruçá)

domingo, 18 de agosto de 2013

CONVERSANDO COM UBATUBA

        
Muro na Rua Paraná, no centro de Ubatuba. (Arquivo JRS)
       Olá, Érika Quadros! Seja bem-vinda!

     O primo João Barreto deixou a roça (na Praia da Fortaleza) muito cedo para vir trabalhar com o tio Zequita. Ele - João - também gosta de escrever, sobretudo a respeito das lembranças do nosso lugar, quando os limites eram menores porque os habitantes eram poucos. Talvez fosse o mesmo sentimento do compositor do hino da cidade ao escrever "que fique guardada com tudo quanto tem". Com algumas adaptações, eu apresento este texto bastante revelador de outros tempos.

       Olá minha querida Ubatuba. Como está mudada, tão diferente! Lembras quando a conheci? Você era tão bonita, tão cheirosa; com suas matas em flor, seus manacás... As cercas que demarcavam suas terras eram feitas de bastão ou mimo. Lembra?
Onde estão suas "ciosas" ou mesmo as magnólias? Onde estão suas aroeiras e pixiricas, frutos preferidos dos bem-te-vis e sabiás? Deram lugar ao campo de aviação, não é?
Você era tão perfumada. As flores que cercavam seus arredores exalavam um perfume doce. Quando a gente acordava de manhãzinha sentia aquele perfume gostoso (quantas saudades!).
Lembras do Rio Grande? Que beleza! Suas águas eram limpinhas e cheias de vida; camarões, lambaris, carás, tainhas, robalos... Da Esquina da Máquina pra cima já era o Mato Dentro e todos se serviam de suas águas para beber, lavar roupas, tomar banho, e, no verão era a diversão das crianças que mergulhavam, andavam de canoas, pulavam do barranco, se jogavam de um cipó dependurado em uma árvore, enfim, tudo acabou e confesso que tenho saudades.
Lembra da Praia do Itaguá ou mesmo a do Centro, por ali onde fica hoje o parque, lembra? Ali, o Lâmpio, o Gerra, o Alfredo Vieira, o Fifo e tantos outros davam cada lanço de obeba da galha amarela, gonguito, maria-mole... que dava gosto da gente ver. Eles faziam aquelas fieiras e saiam vendendo ou trocando por farinha ou banana. Todos compravam sem receio de poluição ou contaminação.
Ali, quando a maré vazava, na nova ou cheia, lá íamos afinar a sola dos pés para cavoucar o marisco sapinhauá e o pregoá, para comer com banana verde. Como era bom aquele tempo!
Lembro também dos grandes lanços de tainha, e teve uma época que tinha acabado o sal na cidade, e, daquela tainhada toda só se aproveitava às ovas. Imaginem que fartura!
Havia dificuldades. Não existiam transportes adequados e as estradas de ligações eram precárias. Não havia linha de ônibus; o que tinha era uma JARDINEIRA, de um senhor com nome de Pacheco que transportava o pessoal daqui para Caraguá, Taubaté e vice-versa. Era difícil, realmente, mas mesmo assim tenho saudades!
Tenho saudades daquele tempo. Tempo em que se tinha mais liberdade; o povo era mais irmanado, mais amigo, mais respeitoso, mais religioso e mais festeiro. Lembro das festas, das danças, das brincadeiras, enfim do seu folclore; tudo tinha muita beleza.
Hoje o progresso chegou e tudo mudou. Mudaram suas festas, suas pescas. Poluíram seus rios, cortaram suas matas, sujaram seu mar... Onde estão os GONGUITOS, os PARATIS-BARBUDOS, as TAPERÁS, os MEROS e as CARANHAS que o Zeca Pão ferrava com sua linha de tucum? Onde está a laje na Boca da Barra que o Sidônio tirava marisco preto para comer e vender? Onde estão os AMBORÊS e GUAIAMUS dos mangues que eram limpos e não tinham óleo e nem esgoto?
Corta-me o coração de lhe ver tão desprezada, eu que lhe conheci tão bonita, tão gostosa, com tanta saúde... Corta-me o coração ver você assim!!!
Ubatuba!!! Que o progresso venha para você com consciência, de forma controlada e planejada. Que você seja tratada com carinho, respeito e dignidade pelas autoridades, pelos políticos e pelo povo desordeiro que aqui chega devastando, carecando suas montanhas, cocozando seus rios, xixizando suas praias.
Mas não tem nada, minha querida Ubatuba! Sei que você é forte, é valente e que vai superar tudo isso. Pedirei a Deus que a cubra com seu Manto Sagrado e que seus filhos olhem por você.

Autor: João Barreto Mesquita

quarta-feira, 14 de agosto de 2013

OS ANJOS DA SAÚDE


      Recebendo uma mensagem do Nenê Velloso, senti vontade de reler uns textos deste caiçara que está sempre a nos avivar a memória. Este é um dos que mais gosto, pois trata de ubatubanos que se devotaram à saúde no nosso pobre município (Ubatuba), na primeira metade do século XX. Parece tão longe o tempo em que nem banheiro era costume ter fora da zona central da cidade.

    Os quatro agentes da saúde responsáveis pela vermifugação da população eram os ubatubanos: Trajano Bueno Velloso, João Bordini do Amaral, João Serpa Filho (Fifo) e João Teixeira Filho (Joanito), que hoje eu os chamo de “Anjos da Saúde”. Eram chefiados pelo médico Dr. Antônio Abdalla, mas como a epidemia se alastrava rapidamente, o médico chefe, diante da gravidade, enviou Seu Trajano e Joanito, para colherem amostras de fezes, primeiro no subdistrito de Picinguaba. Só depois de contornada a situação lá, se estenderiam aos demais bairros e no Centro.
         Os “Anjos da Saúde” zarparam barra afora em um pequeno e frágil barco que se chamava “Iperoig”, de propriedade do pároco local, missionário Johannes Beil (este é o nome correto), mas que atendia pelo apelido de “Hans Beil” ou “padre João”. Em uma entrevista ao jornal “O Estado de São Paulo”, em 1972, disse que gostava mesmo era de ser chamado de “padre João”, porque era assim que os caiçaras ubatubanos os chamavam. Diga-se de paisagem, foi em 1938 que este missionário teve a idéia do prolongamento da boca da barra até a laje, onde se encontra hoje o farol, jogando as primeiras pedras. E, a partir de 1948, quando foi eleito o primeiro prefeito pelo voto direto, o advogado Dr. José Alberto dos Santos, deu-se a continuidade. Após, cada prefeito jogava um punhado. No governo Pedro Paulo Teixeira Pinto, 1983 - 1988, a ligação até a laje foi completada. A conclusão final aconteceu no governo Paulo Ramos de Oliveira e ficou muito a desejar, devido aquele rejuntamento branco saliente. É simplesmente horroroso, deveria ser no sistema de junta seca.
        Seria a hora de se fazer ali, na boca da barra do rio Grande, uma boa homenagem ao padre: Farol padre João “Johannes Beil”, para que fique perpetuada sua passagem por Ubatuba. Ele que, com o seu frágil barco, dava assistência aos caiçaras das praias do norte ao sul de Ubatuba, distribuindo remédios, inclusive até Trindade, Ilha da Vitória e Ilhabela, no local chamado “Sombrio”. Só quem não gostava dessa distribuição de remédio, era o farmacêutico Seu Filhinho. Aliás, ele não gostava de ninguém que praticasse um ato de solidariedade na cidade.
Arquivo Nenê Velloso
O missionário Johannes Beil, conhecido como `padre João´. - Imagem: © Arquivo Nenê Velloso
O missionário Johannes Beil, conhecido como `padre João´.
     A pequena embarcação singrava aquelas águas revoltas da saída da barra que, com a maré vazante, agravava ainda mais porque no repuxo da maré o padre foi obrigado a imprimir força total “na chapa”, como dizem os pescadores, no frágil motor de centro, a gasolina, que mesmo rateando, ia vencendo a empreitada debaixo daquele sueste medonho. Na opinião dos mais velhos e experientes pescadores da cidade, e também dos mais jovens que lá estavam na hora da partida, juravam não terem a coragem de fazerem esta travessia naquelas condições meteorológicas. Era suicídio! A presença marcante do médico chefe Dr. Antonio Abdalla e dos colegas, João Bordini e João Serpa (Fifo), e mais um punhado de pescadores e algumas pessoas que foram ver a partida. O nevoeiro e a chuva rasteira não davam trégua. As rajadas de ventos assobiavam nas cordas de sustentação do mastro e Seu Trajano, na proa, abraçado ao mastro, ia recebendo todo aquele tranco de mar, na tentativa de orientar o rumo ao padre que ia ao leme. Apesar dos seus dois metros de estatura o padre ia em pé, com um pé na borda e o outro no leme, agarrado com as duas mãos na tolda. Joanito, sentado ao pé do mastro, também ia agarrado para não ser lançado fora do barco.
       Aos poucos foram saindo do sufoco do mar revolto e começaram, então, a entrar no mar aberto. O motor parou de ratear, a aceleração voltou ao normal. O padre traçou o rumo norte para a Picinguaba, naquela manhã de domingo tenebroso e inesquecível para os que lá estavam, em meados de 1953.
        Não só o motor voltou à aceleração normal, mas também todos os corações daquele pessoal que lá estava assistindo a partida dos “Anjos da Saúde”, que durante a passagem pela boca da barra, por alguns segundos, ficou com a respiração presa, ofegante. Foram minutos sufocantes até atingirem o mar aberto, dando graças a Deus. O médico Antonio Abdalla chamou os dois funcionários:

- O espetáculo terminou. Vamos embora cuidar dos empalamados da cidade.

O padre João, no leme, ia rezando em voz alta chamando por todos os santos e anjos para ajudá-lo. Seu Trajano gritou da proa:

- Padre! Não chame mais ninguém... senão o barco vai a pique!
- Isso não é hora para brincar! Eu faço este trajeto há 15 anos cravado e nunca vi este mar de águas tão revoltas como hoje, mas o pior ainda está por vir.

    Ele se referia a baía do Itamambuca. Aí o tempo fechou de vez. O nevoeiro e o vento cortante não davam trégua. O motorzinho a gasolina não se intimidava, roncando forte, ia empurrando o frágil barco de nome Iperoig; não se notava mais nenhum rateio e a confiança na máquina aumentou.
     Começaram então a se aproximar da Ponta dos Carneiros, do Respingador, na praia do Alto. Daí vem a baía do Itamambuca, em seguida, a Ponta da Jamanta. Esses são os trechos mais perigosos entre a cidade e a Vila de Picinguaba.
   Ondas imensas se formaram em sequência. Arrebentavam na proa lavando o pequeno convés de proa a popa da embarcação, que parecia uma casca de amendoim flutuando naquela imensidão. O sufoco só foi amenizado quando entraram na calma baía do Ubatumirim, e logo atingiram a vila dos pescadores na Picinguaba. Mesmo assim, colheram amostras das fezes dos 150 moradores da vila e retornaram no dia seguinte.
       O sueste já tinha perdido a força, mas o mar ainda estava revolto e o tempo fechado. Chegaram à cidade na boca da noite. Como não puderam entrar na boca da barra, fundearam o barco na Prainha.
No dia seguinte Seu Trajano ficou no posto de saúde fazendo os exames e Joanito foi para a cidade de Taubaté (SP), buscar mais um microscópio. Retornando por volta das 20 horas, já começou a trabalhar, e ambos vararam a madrugada direto, até o início da noite do dia seguinte. Disse Joanito:

- Nunca vimos tanta titica a nossa frente. Olhos, nariz e garganta ardiam. O cabelo ficou impregnado por vários dias, mesmo lavando todos os dias. O resultado dos exames foi de 100% contaminados.

(Fonte: O Guaruçá)


terça-feira, 13 de agosto de 2013

FÉ NA ROÇA


chuva

     Lendo a poesia do mano Mingo, lembrei-me do Antonio Clemente em 1981, quando o encontrei na beira do rio do Sertão do Pasto Grande (Ubatumirim - Ubatuba) numa prosa com o Mané Grande. Me juntei a eles para escutar boas histórias. Tempo bom! Gente que dá saudades!

Porque estava chovendo há mais de uma semana,
Zé Marcolino foi procurar Antonio Clemente,
um homem de Deus,
para que fizesse pedido,oração ou penitência
para a chuva cessar
antes que perdesse sua plantação.
Antonio Clemente respondeu:
- É pra já, sente aí e vamos rezar um rosário.
O solicitante saiu pela tangente
que tinha um compromisso
e não podia ficar
(na verdade não tinha paciência
para esses assuntos de rezar).
O santo homem rezou, então, sozinho.
E suas preces subiram ao céu
junto com o cheiro do pirão de peixe
que saía pela chaminé do fogão a lenha,
mas o tempo ruim piorou até virar granizo.
Zé Marcolino perdeu tudo
e quase perdeu o juízo.
Só não passou fome
porque Antonio Clemente
dividiu com ele sua esplêndida colheita,
mas chamando sua atenção:
- Agora veja se aprende que sem oração
não tem santo que salve o feijão.

sábado, 10 de agosto de 2013

MUITO GRATO, NENÊ VELLOSO!

.

         A turma é de 1943; ainda encontro alguns deles por aí, sobretudo o Rochinha (João Claro da Rocha), natural da Praia da Enseada. 


                                                                                                         (Fonte: O Guaruçá)

terça-feira, 6 de agosto de 2013

ORATÓRIO NO HORIZONTE



Em 1990, o  folclorista Ney Martins me mostrou uma imagem antiga de uma Festa de São Pedro, ou melhor, de uma missa para homenageá-lo, onde o altar estava montado na saída da barra do Rio Grande (Barra dos Pescadores), sobre quatro canoas. Impressionante!
Noutra ocasião, defronte a capela N.S. das Dores, conversando com o velho Sebastião Rita, ouvi a narrativa dessa imagem (do altar sobre o mar) com muita emoção.  Havia na prosa uma religiosidade muito original, sincera:
“O artar parecia tá boiando! Nem um tiquinho de balanço se via no cálix bento! O padre Lino devia de tá lá segurado por argum anjo. Eu era novinho ainda! Em vorta se via um sarceiro de tainha. Que beleza!”.  Na sequência, o bondoso caiçara daquele lugar, morador da beira do Rio Acarau, detalhou o seguinte:
“Você precisava de vê quando o finado Tibúrcio Mesquita se tocô da Fortaleza pra cá! Era duas canoa: numa vinha a mulhé com as filho; na otra, remando detráis de um oratório, vinha o  próprio Tibúrcio. Aquilo despertava  atenção de longe. Era uma jangada vindo pelo mar! Quem não reparava naquilo chegando, chegando, chegando? Ninguém  podia imaginá arguém trazendo um oratório desde aquela distança, da Preia da Fortaleza!”. Naquele momento, vendo a minha comadre passando na linha dos jambuís, ordenou o velho Rita:
“Se não tivé acreditando nas minha palavra, pergunte pra Gardina ali”.
É lógico que eu acreditava em tudo! Isso demonstra o quanto os antigos caiçaras eram devotos e cultuavam em seus simples oratórios os mais diversos santos. Eu não me lembro de uma casa desse tempo que não tivesse um espaço reservado para tal fim, com imagens, vasos de flores e velas prontas para acender no serão de cada dia.

segunda-feira, 5 de agosto de 2013

“É FARTA DE DISCIPRINA!”


Canoa sendo puxada na costeira.


A disciplina é importante demais! Até os cachorros caiçaras, ou melhor, os seus donos, eram criticados quando agiam sem disciplina (atacavam, roubavam, latiam à toa...). Lembro-me do finado tio Lindo e de sua  fala quando o cachorro do Benedito Siledônio parecia cercá-lo na praia: “Venha cá, Dito; escute bem: vede se disciprina esse vosso cachorro”.

As propriedades não tinham muros; as roças eram respeitadas. Em agosto de cada ano, bastava olhar pelos morros e badejas e ver as queimadas para novas plantações. Era só ter cuidado para não invadir o espaço do outro. Assim explicava o tio Maneco Armiro: “A gente primero roça o mato fazendo o acero; depois taca fogo. Caso não queime bem, pricisa carpi a terra, barrê, prá então decepá a rama, fincá. Despois então de dos ano em diante que ela vai tê raiz, pra dá a mandioca”. A localização? “Ah! É logo ali! Sabe onde igiste treis pedra? É no pé da mais arta, onde se vê a coivara”.
Andava-se por todo lado; não havia cancelas nos caminhos de servidão, nas trilhas que eram centenárias. O tio Dário, explicando para um turista-pescador: “O senhor vai, vai, vai... Até a distança que dé não tem embargo ninhum, não tem moradô pra frente”.
E termino: todos respeitavam os espaços sem haver nehuma lei escrita. No contexto atual, diria o vô Armiro: “É farta de disciprina!”

quinta-feira, 1 de agosto de 2013

BOI DE CONCHAS

       
Por onde andará a poetisa Terezinha Fazzuoli? (Arquivo JRS)
               Patrícia Sukita e Valéria: sejam bem-vindas!


       A Turma da Xilogravura, da professora Alejandra C. Labarca, resolveu mostrar seu empenho através de um texto local. Foi escolhida a Lenda do Boi de Conchas, ricamente descrita pelo amigo Júlio Mendes. Esta é a versão para a literatura de cordel feita pelo amigo Jorge Ivam. Todos estão de parabéns! E vem mais coisa por aí!

Ratambufe, bezerrinho,
Era branco sem jaça
Como um vestido de noiva
Ou uma pena de garça.

Ao nascer com o destino
Assinalado na testa,
ouviu de seu Cipriano
A promessa desonesta.

De ser levado até o mar,
Era treita do traidor,
Que só, somente, dinheiro
Para ele tinha valor.

Ratambufe embevecia-se      
Ao Cipriano citar
Um sem número de coisas
Que só existem no mar.

Cresceu, tornou-se robusto
Sonhando com o oceano,
Sem atinar que era mau
O intento de Cipriano.

Comerciante sagaz,
Pra vender  no litoral,
Ele trazia de tudo, 
Fosse planta ou animal.

Da sanha do mercador
Que bichinho escaparia?
Mesmo sendo diferente,
Virava mercadoria.

Ratambufe não seguiu,
Porém semelhante destino,
Pois quando descia a serra, 
Para o mar, foi em desatino.

Se ouvira a voz da sereia,
Não posso te responder.
O que Julinho me disse
Foi que o boi correu a valer.

E, sob as ondas do mar
E a benção de Anchieta,
Ocultou-se triunfante
Por ter tido tal veneta.

Cipriano emitiu gritos
Que fizeram ecos no ar,
Mas o boi, se os escutou,
Afundou-se mais no mar.

Ainda bem, porque seu dono
Não tinha intenções nobres.
O que deveria fazer
Era passá-lo nos cobres.

Fingindo levá-lo à praia,
Levava o boi ao matadouro,
Mas Ratambufe, fugindo,
Salvou sua pele, seu couro.

Ficou sumido por anos,
Só fascinando as sereias
Com a concha que tem na testa
E com aquelas das areias.

Certo dia, Ratambufe,
Ouvindo um som dedilhado
Lá na Praia do Cruzeiro,
Surgiu todo ornamentado.

Quem o viu não acreditou
Em sua própria sanidade
E duvidando, não quis
Relatar a novidade.

Mas desse dia em diante,
Para tantos pescadores,
Ratambufe apareceu
Que se criaram rumores.

Majestoso, o Boi de Concha, 
Como passou a ser chamado,
Fascinava, e quem o via
Não ia ficar calado.

Lindolfo contou a Malvina,
Ela, achando que era peta,
Não deu crédito ao marido
E mandou-lhe uma careta.

Mas com o correr do tempo,
Tudo era pretexto, azo,
Para um morador dizer:
"Eu vou lhe contar um caso".

Do nosso boi Ratambufe
Narrava outra aparição.
Desse modo, sua história foi
Ouvida até o sertão.

Quer participar do curso de xilogravura? Recomeça na próxima semana, na Fundart. A gente se encontra lá!