sábado, 12 de abril de 2025

ÁRVORES E PESCADORES

Aroeira cortada- Arquivo internet


 A aroeira do Alfredo Vieira e do papai”.

Assim dona Clície me falou.

Edson do Antônio   Atanázio depois confirmou:

“Era jundu tudo aquilo; um deles a  plantou”.

 

Ali era o caminho deles.

“Nunca é demais uma sombra!”.

“E, de ver passarinho, quem nunca gostou?”

Pois é, obedecendo ordem alguém a cortou.

 

Sob pretexto de doença?

Desculpa de urbanismo?

Um poder econômico o corte solicitou?

Foi a propaganda quem ganhou?

 

A aroeira dos frutos, dos banhos nas redes...

“Quem vê o anúncio com ela ali?”.

A aroeira do velho Vieira e do Fifo (João Serpa) alguém cortou:

Outra etapa da “boiada” que passou.

 

“Nem só de reacionários vive a cidade”.

Do alto da serra não se enxerga,

Mas bons frutos aqui vingou:

Minha gente uma muda nova plantou.

 

Ações irracionais...volta da barbárie...

“A aroeira do Alfredo Vieira e do papai”...

“Estão plantando outra”, alguém comentou.

“Acertem as canoas porque a maré mudou”.

 

 

quinta-feira, 10 de abril de 2025

PEIXES COM SEDE

    

Amanhecer - Arquivo Clóvis 

     Estávamos na escola. Descobri um espaço totalmente fechado, cheio de livros, como se quisessem esconder de todos, sepultá-los para sempre tal como eu fiz com a velha carcaça de um aparelho antigo. Desconfiei da diretora reacionária. Teríamos apenas duas aulas, depois seríamos dispensados. Alunos na aula de educação física brincavam de pular corda. Defronte a uma sala do corredor vi serragem formando imagens tal como a procissão de Corpus Christi. Admirei a iniciativa da turma daquela classe. Interessante que os passantes não destruíam a obra; a cena tava perfeita no piso do corredor.

  Num outro momento, eu e mais pessoas estávamos num canto de praia. Mingo falou: “Lá vem Desireé, se transferiu pelo Banco do Brasil, veio de São Bento.” Ela passou por nós, apenas cumprimentou e se foi empurrando a bicicleta. Marli estava ao meu lado, não disse nada, mas procurava se segurar em mim. Elogiei o carro que ela tinha. Parece que se arrependeu de vendê-lo. Vera diz que não gostava mais da costeira da Enseada porque lhe mudaram o nome antigo. (Eu nem sabia que tinha outro nome aquela costeira. Porém, a Vera nasceu lá, né?!). Era o entardecer, a noite vinha chegando. Mingo falou de uma sorveteria ali perto. “Eu pago.” Marli estava quieta, era muito religiosa, uma beata, disse que iria na igreja se confessar porque teve um desejo, cometeu um pecado. Eu, junto dela, apenas falei que era bobagem, não tinha nada demais. “Você não prejudicou ninguém,  menina. Deixa disso.” A sorveteria era num precário rancho, mas os produtos pareciam maravilhosos. Pedimos os sorvetes. Mais gente chegou, mas a atendente continuava dando toda atenção ao nosso grupo. Pensei algum tempo depois: “É assim mesmo a nossa vida. Tem uma fase que poucas coisas nos preocupam porque somos jovens, andamos com poucos compromissos, sem pensar muito além de cada momento que vamos vivendo. O que importa são as amizades, tudo de bom que vivemos juntos”. Assim era a nossa vida, sem nenhum aparelho que tomasse o nosso tempo, nos deixasse isolado dos outros. Mais importante era a convivência, a alegria de estar em grupo. Queríamos viver; éramos peixes com sede.

 

segunda-feira, 7 de abril de 2025

ADEUS, CAMILA

    

Uma rosa foi cortada - Arquivo JRS 

   Eu me detenho e tiro minhas conclusões após ler determinados comentários, sobretudo femininos, no dia da morte horrível da minha estimada Camila, colega de profissão que tão arduamente conseguiu se formar e trabalhar junto comigo, no bairro das nossas habitações, onde ela nasceu.

    Algumas mulheres são favoráveis aos projetos da extrema direita, estão defendendo projetos de uma sociedade patriarcal pronta para violentar, matar as mulheres e outras minorias sociais tão fragilizadas.  

     Essas mulheres também querem o fim da lei Maria da Penha, admitem que ter uma filha é uma “fraquejada”, estão de acordo que homossexuais devem ser perseguidos, que os povos indígenas não merecem terras, que os dependentes químicos precisam ser castrados, mortos etc. 

   São essas mulheres que concordam que os negros são inferiores e sempre suspeitos em qualquer lugar.  

    Essas mulheres, algumas mães desde já, torcem pelo fim dos direitos trabalhistas conquistados pelos trabalhadores organizados em sindicatos ao longo de séculos. 

     É isto mesmo que estou entendendo mediante alguns comentários de mulheres que parecem não se importar com mais uma companheira barbaramente morta, querendo passar pano para a extrema direita, votando em gente que tem esses pontos programáticos e são contra os Direitos Humanos? Mulheres com essa mentalidade direcionarão crianças em qual direção, a qual modelo de sociedade?

   Se sou o que sou, devo muito às mulheres que fizeram parte da minha vida, que estão ao meu lado sempre (a minha irmã, a minha filha e a minha esposa querida). Camila fez parte da minha existência, labutamos juntos em salas de aulas, planejamos atividades, discutimos problemas da escola etc. Meus sentimentos aos familiares dela. Forte abraço. Basta de violência!

domingo, 6 de abril de 2025

A CASA

 

Uma casa na cidade - Arquivo JRS 

   Me detive na praça 13 de maio com imagens de Ubatuba de outro tempo. A primeira delas foi quando o estimado professor Osmildo, que  aguardava no final da linha dos ônibus, nos levou até o seu apartamento, no edifício Andorinhas. Era meados da década de 1970. Lá conhecemos sua reduzida família, tomamos café. Depois ele nos conduziu ao ginásio “Deolindo” e fez nossas matrículas para a quinta série. Éramos dez crianças; morávamos, a maioria, no Perequê-mirim. Nos deslocamos apreensivos os dez quilômetros que distava a nossa escola primária do centro da cidade. Fomos em ônibus circular, sem a companhia de nenhum adulto.  O professor nos matriculou naquela enorme escola, fez a vez dos nossos pais. Ele sabia que só assim era certeza que continuaríamos os estudos.

   A segunda imagem era da casa da Maricarmen. Simples, bonita, com uma oficina onde seu pai exercia o ofício de serralheiro. Seo Zé Marroquino (Guadix) foi o primeiro profissional que eu conheci nesse ramo. Eu achava lindo os portões aparecendo depois de ferros serrados e soldados. Creio que o mais importante trabalho dele foram os lustres que fez para a igreja matriz, sob encomenda pelo frei Angélico, em 1982. Também deste ano é o altar em formato de barco, obra do mestre Jacó Meira.

   Numa noite dessa eu sonhei com aquela casa, só que parte dela estava em ruínas, contrastando com as do entorno da atualidade. Até pensei que ninguém morava ali devido ao estado precário da fachada, mas logo avistei a mãe da minha colega de ginásio. Vi que só ela habitava a casa. Parei para prestar atenção e notei que a oficina ainda existia na lateral. Foi quando eu avistei duas pessoas, guerreiros portando espadas, querendo invadir o espaço. O que fiz? Me coloquei do lado de dentro, no espaço da oficina, e passei a defender o local. Depois que acordei me pus a pensar: Por onde andam a filhas daquele casal tão tranquilo que nos viam sempre circulando por ali, brincando na praça (toda plana naquele tempo!) enquanto esperávamos ônibus? Por que eu defendi a casa dos ataques? Qual a mensagem do sonho?

   Casas antigas e casas velhas, abandonadas, chamam a minha atenção sempre. Diante da casa da imagem postada acima, na cidade de Guaratinguetá,  notei as janelas fechadas por blocos. Imaginei ali moças debruçadas, olhando a movimentação no entorno. Do lado oposto havia um pintor a retratá-las sob o   título:  As moças na janela. Talvez ali morasse umas das Cinco moças de Guaratinguetá,  obra de Di Cavalcanti pintada em 1930.

sábado, 5 de abril de 2025

PIRÃO DAS LETRAS

 

Imagem piraodasletras

     Eu acredito que é o pensamento que caracteriza  a alma. É conhecendo que a alma se forma, cuida de si, se alimenta. Logo, devemos estar numa eterna busca do conhecimento. E onde buscamos o conhecimento?

     Sem dúvida alguma que a arte é o veio principal de fruição do conhecimento. Arte é cada utensílio que a humanidade criou, cada maneira de expressar nossos sentimentos, cada forma de aproveitar os recursos que permeiam a nossa existência... Arte é a forma de arranjar as palavras querendo criar outros mundos, mostrar que eles são possíveis, tal como quem cozinha ao juntar ingredientes diversos numa panela para depois resultar num alimento que nos sustenta. Creio que o Pirão das Letras tem esta finalidade dentre outras: sustentar nossas almas.

     Pirão, prato tão típico da cultura caiçara, é uma composição de peixe, água, ervas, banana verde e farinha de mandioca, podendo incrementar com mais coisas. Também tem pirão de caças, de aves etc. Pirão, desde os primórdios, era a base alimentar do povo que subia e descia morros com cargas do roçado, que remava e puxava rede no lagamar; que labutava nos afazeres domésticos e festejava em qualquer oportunidade, que dançava gritando alegremente “Amanheeeeeeeece!”. Pirão sempre foi a "sustânça" do meu povo!

    Então... estou feliz por captar a intenção do Pirão das Letras como um veio artístico de resgate, de preservação e de oportunização de outros olhares sobre nossas heranças culturais (referências sobre quem somos e o mundo que queremos, ou seja, a nossa alma que se faz pelo conhecimento que herdamos, construimos e repassamos).

    É isto: Pirão da Letras é uma iniciativa louvável de celebração da literatura, da arte literária, sobretudo daquela produzida em Ubatuba, da celebração da alma da cidade! O primeiro evento deve acontecer entre 12 e 14 de junho, na praça Anchieta (defronte ao Casarão, na boca da barra do rio Grande). Venha se informar e participar!

terça-feira, 25 de março de 2025

VEIO DO RIACHO

     

 

Veio do riacho - Arquivo JRS 

   Eu aniversariei dias desses. Minha filha me trouxe um vinho de amora, presente do estimado Maciel. Junto à mesa com as minhas queridas Gal  e Má eu experimentei. "Noooossa! Que coisa boa!". Eu nem imaginava existir um vinho de amora, pois sempre tomei o tradicional, feito de uva. 

     Li o rótulo: VEIO DO RIACHO. Pensei num veio, como se fosse uma artéria levando um precioso líquido do qual ninguém consegue viver se não tiver mais: a água.  Perguntei à Maria: "Por que tem esse nome?".  Prontamente ela explicou: "Porque o Maciel deixa ele engarrafado dentro do riacho, na propriedade dele, o Vale do Paty, lá no no alto da serra. Na água fria ele vai se apurando". Valeu, querida filha!

              Que delícia! Quer experimentar? Todas as quartas-feiras o Maciel está vendendo seus produtos na Feira Agroecológica, na "Fazendinha", no final da rua Orlando Carneiro, em Ubatuba. Passa lá!  

      Valeu, Maciel!

domingo, 16 de março de 2025

CIDADANIA SE APRENDE


 

Céu de todos - Arquivo JRS 

    Todos os lugares e todos os momentos servem como aprendizagem. Se queremos cultivar a cidadania, devemos prestar atenção a isso. Tempos atrás alertei para um detalhe comum em quase todas as cidades: os nomes, as denominações de logradouros que prestam homenagens injustas, criminosas. Não é diferente em Ubatuba.

     Lendo o livro O trato dos viventes, de Luiz Felipe de Alencastro, me detive num detalhe do século XVII, quando o reino de Portugal estava precisando de metais preciosos. Um pouco de ouro já estava sendo encontrado na região de Paranaguá e no interior paulista, mas a imensidão das terras do Brasil alimentavam as cobiçosas esperanças de grandes riquezas, justificando o trabalho de africanos escravizados e do vergonhoso tráfico negreiro.

 

   Como ampliar a mineração na colônia americana, no Brasil? Os conselheiros do rei dão como um fato consumado a “grande quantidade de índios que hoje estão destruídos”. Para esses conselheiros não existia reserva de mão de obra indígena para as minas que planejava “entabular” nas latitudes brasileiras próximas de Potosí. Na circunstância, o Conselho entendia que só o trato de escravos de Angola podia “conservar” o Brasil. Dos quatro conselheiros que assinavam o relatório, três tinham vínculos diretos com o negócio negreiro. Um deles granjeava grande destaque na Corte e na política ultramarina: Salvador de Sá e Benevides, membro da oligarquia fluminense, restaurador e ex-governador de Angola, mentor das expedições lançadas no além-Mantiqueira atrás de prata, ouro e esmeraldas.

 

      Esse Sá e Benevides, traficante de escravos que, a custo de muitas vidas tombadas reconquistou Angola, São Tomé e Príncipe ao reino de Portugal, nomeia a rua paralela à avenida Yperoig, no coração da nossa cidade de Ubatuba. Um de seus parentes tinha a fazenda para comércio de escravos na praia da Tabatinga, na estrada das Galhetas. Tal como os bandeirantes destruidores de comunidades indígenas largamente homenageados por aí afora, será que não passa da hora de rever tais honrarias? O apelo é pela cidadania ativa através dos espaços do nosso território.