sábado, 31 de maio de 2025

A SÉTIMA ARTE

 

Lá longe o mar - Arquivo JRS 

    Vanessa Cabral era uma criança nas minhas lembranças da década de 1970, no Perequê-mirim. Eu a via muitas vezes passeando, sempre bem arrumadinha, com roupas bonitas,  de mãos dadas com a mãe nos arredores ou brincando na praia, bem em frente da casa dos avós (Seo Pedro Cabral e Dona Ana). Passou o tempo, vieram as redes sociais, Vanessa cresceu; estabelecemos contato porque ela também se interessa por coisas de caiçara, pela história da nossa terra. Assim como eu, ela acredita que manter a viva memória do nosso povo ajuda na resistência e na preservação do nosso lugar, da nossa cultura. Está na área da Arte a filha da Nely Cabral? Que bom! Concordo com o velho Nietzsche que disse o seguinte: "Temos a arte para não morrer da verdade". Dias desses ela me perguntou a respeito do cine clube que funcionou nos fundos do Bar e Bilhar do seu tio Aristides Cabral. Eu não pude lhe ajudar em nada, mas lhe contei que outro tio, Miguel Cabral, possibilitou a muita gente assistir filmes no espaço que lhe pertencia, onde mais tarde existiu o Bar Orly, do Severino e da Nilséia Nascimento. (Neste estabelecimento eu fui registrado dos 14 aos 18 anos, época que me mudei para o bairro da Estufa depois de ter morado por 11 anos no Perequê-mirim).

   Miguel tinha uma sortida mercearia num dos acessos àquela maravilhosa praia, na esquina oposta à escola do bairro. Na verdade, a área dele era bem grande, abrangia várias casas. A outra mercearia do bairro estava localizada no outro acesso para a praia: era do Aristides, seu irmão. (Seo Jorge Coelho foi arrendatário mais tarde. Recém chegado do Estado do Rio de Janeiro, era sogro da pasteleira dona Margarida e pai do Jairo. Se estabelecera um tempo antes como açougueiro num espaço alugado, ao lado da mercearia do Miguel. Prosperou tendo o filho como parceiro). Não havia bares naquele tempo, na década de 1970. Somente o Tião Caçuroba tinha uma barraca no terreno do Almeida (depois Perequim), onde a freguesia principal era aos domingos, nos dias de jogo no campo, na área atual do supermercado do Pai. Logo esse outro ponto comercial do Miguel, do lado de cima da pista, localizado entre as propriedades do Almeida  e do doutor Sidnei, se tornou uma referência, sobretudo aos bebedores. Havia um salão grande, além do espaço do balcão e das mesinhas. Era ali que, por um tempo, assistíamos aos filmes. Quem tinha o maquinário era o senhor Valter, de Taubaté. Também era tarefa dele esticar um grande pano branco na parede para servir de tela e organizar cadeiras e bancos de madeira. Os filmes vinham em latas redondas e achatadas. Mazzaropi, Zé do Caixão, todos os ídolos do faroeste americano entraram em nossas vidas graças a esse espaço proporcionados pelos Miguel Cabral, o Seo Miguel. 

    Dias atrás, conversando com o mano Domingos, fiquei surpreso: "Claro que eu me lembro do cinema do Aristides! Eu fui assistir muitos filmes lá! Você não ia porque já trabalhava no Severino e estudava à noite na cidade, no Deolindo. Era legal. Quem fazia a projeção era um homem que chamavam de Boiadeiro". Então eu deduzi que esse senhor era o pai do meu colega Silvio. Por um tempo eles moraram na Enseada, quase na subida do morro do Maciel, não muito longe  do Veiga. Só não tenho certeza de que era ele mesmo quem projetava os filmes. Talvez alguém mais antigo no bairro possa ajudar a Vanessa nesse resgate. Resumindo: o único cinema da cidade era o Cine Iperoig, mas era muito difícil sair dos bairros para desfrutar dos prazeres da sétima arte. Então, os irmãos Miguel e Aristides nos proporcionaram conhecer artistas, estilos e viver aventuras através das projeções em seus singelos espaços. Viva o cinema!

 


3 comentários:

  1. Também me lembro, mano Zé!
    Ainda não havia iluminação pública nas ruas, quando assistirmos no Miguel Cabral, um filme do Zé do Caixão, e na hora de voltar pra casa, ao passar pelos bastoeiros em frente à chácara onde morava a família do seo Zé do Pito, era uma correria só!

    ResponderExcluir
  2. Também no clube, em frente ao Severino e Nilcéia, lembro de uma apresentação, onde um homem deitado, com uma pedra de granito na barriga, deixava-se marretado até parti-la!
    Não me esqueço jamais!

    ResponderExcluir
  3. Ahhhhh, a memória às vezes engana… mas obrigada pela introdução do texto. Rapaz, sabe que li um texto uns 5 anos atrás sobre a praia do Perequê-Mirim no site “ubatubasp.com.br” e lá dizia sobre o tal cinema. Fiquei intrigada e indaguei minha mãe, com a sua negativa acabei esquecendo o assunto. Mas eis que Romildo e Pedro num desses encontros aleatórios começaram a falar desse tal cinema. A blz da vida é que tudo converge quando a gente quer uma coisa. E aí vamos nós registrar essa história! Grande abraço. Sua disciplina e disposição em manter este blog é admirável e um ato de resistência, parabéns! 🎉

    ResponderExcluir