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Uma rosa - Arquivo JRS |
O velho Ronisvaldo, reacionário toda vida, ainda não de todo velho, mas aposentado, resolveu-se pelo casamento. Começou a pintar os cabelos, não deixou crescer barba e bigode para não mostrar os fios brancos. (Não tem como escapar das malhas do tempo, né? Porque a idade só cresce - para todo mundo!). Lhe disseram que em igrejas é mais fácil conseguir um namoro, arranjar casamento. Por este caminho foi o velho Ronisvaldo. E apareceu mesmo uma moça, aparentemente de boa família, mas com um pai beberrão devido aos traumas da caserna. (Eu desconfio que ele teve de participar de coisas horríveis, tipo tortura). Religiosa fanática, a moça cujas raízes vinham da região nordestina, aceitou a parada, foram morar juntos. Depois se casaram porque, na igreja, começaram a surgir uns comentários maldosos. Se mudaram, alugaram casa à beira mar. Que felicidade! O velho, orgulhoso da vida, arranhou a poupança e proporcionou uma viagem em lua de mel. Na volta até comprou um carro novo. No início quis regular o uso para a esposa, mas com o passar do tempo não teve jeito porque ela, bem mais nova do que ele, queria rodar, ver as novidades, ter a autonomia que o pai nunca permitiu. E ele? Ah! Já estava cansado, confirmando a verdade de que o corpo se vai bem mais rápido que a cabeça.
Passaram-se anos. Até tinha me esquecido dos pombos reacionários que um dia quiseram me diminuir porque se achavam melhores que o meu povo, "essa caiçarada atrasada que nem merecia estar perto do maravilhoso mar". Eu soube tempo depois que o velho tinha morrido. Pensei na hora: "Bom para a esposa. Ainda deve ter um resto de poupança do finado muquirana".
Na semana passada, enquanto eu estava cuidando de umas plantas na beira do caminho, divisei duas mulheres que portavam uns galhos secos (lenha) e seguiam conversando alto, como se estivessem perto de uma ruidosa cachoeira. Você acredita que uma delas era a viúva desta história? Ah! Que mundo pequeno! As duas companheiras estavam a prosear:
- A Maria perdeu as duas novilhas que levou para o sítio. A primeira sumiu, depois levou outra que também desapareceu.
- Pode ser que tenham sido roubadas ou comidas por onça.
- Será que onde ela tem o sítio existe onça?
- Lógico que tem! A Carminha, que foi uma vez lá, disse que escorregou num barranco e lá embaixo viu muitas pegadas de onça. Esconjurou: "Nunca mais volto naquele lugar, nem que me pague".
- E se foram roubadas porque alguém estava querendo comer?
Nesse momento a dita viúva suspirou:
- Acho que até eu comeria com satisfação uma novilha feito churrasco.
As duas continuaram a falação caminho afora enquanto eu pensava e repetia o surrado chavão: "Como este mundo é pequeno!".
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