Escolhi o remo decorado pela minha filha para ilustrar esta matéria. Verde-amarelo é a síntese bem elaborada de como até as cores de uma bandeira podem ser aproveitadas por uma ideologia. Lendo este texto do estimado Jorge Ivam, me reconheço nele. Ao avistar bandeiras que ainda tremulam desbotadas em diversas casas revelam imediatamente o meu pensamento: "Ali habita um patriotário". Coisa triste, né? Sobretudo para quem viveu e/ou estudou a ditadura militar, sabe da impunidade de tantos que jogaram contra a soberania do nosso país, mas que seguem tendo muitos aliados e alienados, sobretudo entre os mais pobres que ignoram as causas desse mar revolto, que nem são capazes de se verem como a engrenagem útil e descartável ao projeto de exploração de quem trabalha nesta Pátria brasileira que anseia há séculos por justiça social. A um jovem que me questionou neste assunto, apenas perguntei: "Você sabe a razão do seu avô sair lá do distante sertão mineiro e vir tentar melhorar de vida em Ubatuba? Sabe por que essa Pátria é tão desigual?". Gratidão, Jorge!
Quem frequentou a escola na época da ditadura militar deve-se lembrar do quanto as cores verde e amarela eram incutidas nos alunos como um símbolo de amor à pátria. Mesmo quem depois da escola conseguiu perceber que o ufanismo é uma tolice e se conscientizou de que a ditadura militar, aliás, como todas as ditaduras, foi muita maléfica para o país, continuou vida afora amando aquelas cores.
Naquela época, dizia-se que o amarelo representava o nosso ouro, sem mencionar que ele existe aqui, mas nunca foi nosso, digo, do povo brasileiro, porque os poderosos mandaram-no e continuam mandando-o para o exterior. Já o verde representa, diziam, as nossas matas. Ocultavam, no entanto, que a ditadura estava dando incentivos às multinacionais para devastá-las a pretexto de desenvolver a agropecuária.
Crescemos ouvindo que nossas praias eram mais bonitas do mundo, que nosso futebol era imbatível, que nosso céu era mais azul e tinha mais estrelas do que o céu dos outros países como se o céu não fosse único. Nossa gente é cordial e não há racismo aqui, mas quem era preto ou pardo tinha de portar carteira profissional registrada para não ser preso por vadiagem quando fosse parado pela polícia, e isso era frequente.
Cantando o hino nacional e ouvindo diuturnamente essas falácias entre muitas outras, crescemos cultuando ardorosamente o verde-amarelo. Na véspera de uma Copa do Mundo, os muros e até o asfalto em muitas ruas ganham estas cores. Pessoas que não se importam com futebol passam a torcer fervorosamente para a Seleção como se de seu sucesso dependesse o futuro da nação. Era um sentimento patriótico legado pela ditadura, mas que já estava desvinculado dela.
Há quase dez anos, porém, a extrema direita voltou a se apropriar do verde-amarelo já não mais pregando a união do povo num só coração, como sugeria a música-tema da seleção de 70, mas com o claro objetivo de dividi-lo, de disseminar o ódio e, se possível, eliminar fisicamente os adversários sem ao menos ter o escrúpulo de omitir esse bárbaro desejo.
Em consequência disso é que quando vejo uma pessoa vestida de verde-amarelo tenho asco, ânsia de vômito, porque sei que dentro da roupa com estas cores quase sempre está um indivíduo que odeia a arte, a cultura, a democracia, os direitos humanos; um indivíduo preconceituoso, machista, homofóbico, egoísta; um indivíduo que se diz religioso porque sabe que a religião é um álibi capaz de lhe dar, perante a sociedade, uma feição de gente honesta, quando, na verdade, é uma pessoa vil, que pratica todos os crimes que, em teoria, combate.
Oxalá que o verde-amarelo volte a ser apenas um símbolo de identidade nacional, mesmo que de um ufanismo tolo, mas sem essa face fascista com que ameaça as pessoas verdadeiramente do bem.
JIF 31/5/23
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