sábado, 26 de novembro de 2022

MEUS ANCESTRAIS

Formiga - Arte; Estevan


      O que eu contarei agora é parte do que recebi dos meus avós. Eles aprenderam dos mais antigos; trata-se de sabedoria cujas origens se perde no tempo, mas que está desaparecendo muito depressa. Ou seja, corre o risco de se perder de vez. Estou recordando agora de um tempo quando as formigas eram assustadoras, atacavam os mandiocais, exigindo combate contínuo para salvar as lavouras. No final da tarde, antes que escurecesse, os chefes de família se muniam de alguns apetrechos e saíam morro acima em busca dos formigueiros, dos seus carreiros. As saúvas eram terríveis! Não era à toa que os caiçaras procuravam as ilhas em tempos mais antigos para seus cultivos! Diziam que nas ilhas não havia formigas. Por isso famílias inteiras atravessavam os largos em canoas para terem os melhores resultados agrícolas.

      Eu, criança curiosa, gostava de observar as formigas. Uma espécie eu temia muito: era a taoca. Sua picada dói muito. Ainda hoje, de vez em quando, sou surpreendido por elas entre as folhas secas do nosso quintal. Você já viu as taocas em correição? Explico: correição é quando as formigas parecem estar migrando, buscando outros lugares. Elas parecem aqueles batalhões de guerreiros que vemos em filmes. Dos antigos aprendi isto: “Aquelas formigas grandes que andam pelo meio das taocas se chamam capitães. São os machos. Elas percebem os perigos para o grupo antes das outras, dão o alerta”.

     E cará, você conhece? Neste tempo (outubro, novembro), eles estão brotando. No nosso quintal tem o do roxo e o moela. O cara-moela se espalha pelas árvores, dá de montão. O cará-roxo dá na terra, como batata. Ontem mesmo parei para apreciar seus tentáculos singulares ganhando os espaços, garantindo continuidade de nossas raízes e nossa autonomia na produção de alimentos. Quantas pessoas já pararam para pensar no quanto nós já perdemos de espécies e sementes? Isto é planejado, as indústrias de sementes transgênicas fazem questão de acabar com tudo para terem o domínio sobre os agricultores. Mas do outro lado há pessoas e associações fazendo a preservação e o resgate das chamadas sementes criolas. Estas são essenciais à vida! Isto é resistência! Mas... quando eu citei o cará, não era nesses carás que eu pensava. Eu me recordava do finado Antônio Clemente, no sertão do Ubatumirim, me explicando de uma bolota de pelos extraída do bucho dos porcos do mato: “Não é todo porco que tem esse quisto. Diziam os mais velhos que aquilo era causado por cocos comidos pelos bichos. É usado como remédio para doenças nos peitos, mas serve também como patuá [talismã] para guardar a gente de doença. Eu mesmo tenho o meu no bolso da calça. Olha aqui”. Coisas dos meus ancestrais. E eu pude contemplar pela primeira e única vez um cará de porco. Desconfio que você não terá esse privilégio. Que pena!

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