sexta-feira, 22 de fevereiro de 2019

ORALIDADE E HISTÓRIA

Escutando o meu povo (Arquivo JRS)

                                Me parece que hoje em dia nem os pais contam histórias aos seus filhos. Porém, o texto do professor Diegues parece nos relembrar que sem memória ninguém propõem nada, só copia. Que tristeza!
               A sociedade caiçara, assim como outras populações tradicionais não urbanas são marcadas pela oralidade, e raramente deixam marcas escritas. A sua história pode ser recuperada pela memória dos mais velhos e transmitida às gerações seguintes por relator orais. Daí a importância de se recuperar, pela História Oral e pela memória, o que ocorreu e que está ocorrendo nas vidas dos caiçaras, marcadas, em geral, pela raridade dos documentos históricos.
               Paul Ricoeur (2002) afirma que é necessário se defender a ambição da memória em ser fiel ao passado, objetivo talvez inatingível mas que
“constitui a dimensão que chamaria de verídica da memória, com o que quero denotar sua relação fundamental com a verdade daquilo que já não existe, mas que existiu anteriormente” (p. 26).
               Ricoeur refere-se a duas etapas na aspiração da memória à verdade a fim de mostrar como essa aporia ou problema insolúvel se projeta no discurso histórico. A primeira etapa é a do testemunho, de enorme importância da vida social, tanto nos tribunais, na história e sobretudo na vida cotidiana, sendo considerada por ele como uma categoria de conversação. O testemunho é uma declaração de que o que está sendo contado existiu, porque foi presenciado pelo que narra o ocorrido e pode ser confrontado com outros testemunhos. Nesse confronto crítico, segundo Ricoeur, encontramo-nos no umbral da história.

               A segunda etapa é a do documento, em que se passa da memória individual para a memória coletiva, trânsito legítimo para Ricoeur, uma vez que, graças à linguagem, as memórias individuais superpõem-se à memória coletiva. Dizer que nos lembramos de algo é declarar que vimos, escutamos, sabemos ou apreendemos algo, e essa lembrança se expressa na linguagem de todos, inserindo-se assim, ao mesmo tempo, na memória coletiva. O documento marca, para o autor, a transposição da memória e do testemunho para a escritura.

               Para Ricoeur, o documento é, em primeiro lugar, uma memória coletiva arquivada, pois é um conjunto de testemunhos vividos. No entanto, hoje, a noção de documento é mais amplo do que a do testemunho, pois incorpora também os fatos recorrentes,  tudo o que se pode incluir nas estatísticas, sem esquecer todos os outros vestígios. Para o autor, existe também a história da memória, na qual a história amplia a memória no espaço e no tempo, ajuntando outros temas ao seu objeto, dando origem a uma história política, social, econômica, cultural.

               Ricoeur termina seu texto afirmando que “o que honramos do passado não é o fato de que já não exista, mas o fato de que existiu uma vez. Então a mensagem da história à memória, do historiador ao homem da memória é o de agregar ao trabalho da memória não somente o lamento de que já não existem, mas a dívida para com o que existiu” (2002, p.28).

               É o que se depreende da distinção feita por Jean Duvignaud: memória histórica “supõe a reconstrução dos dados fornecidos pelo presente da vida social e projetada no passado reinventado”; memória coletiva é “aquela que recompõe magicamente o passado” (Grossi & Ferreira, p. 67).

               Para Halbwachs é por meio da memória histórica que se unem a memória e a história.

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