Na camiseta (Arquivo JRS) |
Com
este título, o professor Diegues (Antônio Carlos Diegues), abre o volume IV da
Enciclopédia Caiçara:
Caiçaras ou praianos do litoral sudeste
brasileiro raramente aparecem nos arquivos e documentos históricos. É como se
eles nunca tivessem existido e mesmo historiadores locais raramente se referem
a eles, à gente dos sítios. Em alguns dicionários o termo caiçara é associado à
pessoa indolente, preguiçosa. Até documentos recentes que se referem, por
exemplo, à criação de áreas protegidas e reservas naturais em territórios
sabidamente habitados por caiçaras, os ignoram ou, às vezes, os classificam
como “bons selvagens”, pessoas que viveriam imersas na natureza, sem direitos
de cidadania.
Os caiçaras fazem
parte das populações brasileiras pobres e marginalizadas, apesar de terem
mantido relações sociais e econômicas com as cidades da região.
História Oral e Excluídos
Tonglet (2002) se
interroga se os pobres têm história e se o próprio fato de se formular essa
pergunta não é um sinal que confirma sua exclusão da sociedade. Para ele,
encontrar o lugar dos pobres na história não é coisa fácil, pois os arquivos
guardam somente os relatos escritos e os pobres raramente deixaram esses
relatos. Hannah Arendt (1967) fala dos pobres como condenados a viver na sombra
e afirma que a verdadeira marca da pobreza, mais que a própria miséria, é sua
invisibilidade histórica.
Tonglet (2002)
afirma, no entanto que os pobres têm uma história, pertencem a uma história e “fazem
história na medida em que os reconhecemos como atores na construção de nosso
futuro comum” (p.55).
Para
Perrot (2002), o silêncio rodeia a vida dos humildes e marginais, mas esquecê-los
é uma forma de negar sua existência, o que explica o desejo legítimo de
reconstruir sua história. Para ela, o que não foi objeto de um relato não
existe. Esse parece ser o caso dos caiçaras.
Para
os historiadores ligados aos Annales,
uma nova História, livre de procedimentos rígidos, em que a história do
presente, do cotidiano e da experiência individual adquiriram significativa
importância, incorporou o tema da oralidade e da memória que, juntamente com o
da cultura, passou a ser para os historiadores um desafio e motivo de renovada
criação, como atestam os trabalhos de Braudel, Le Goff, Thompson e Keith Tomas
entre outros.
No
Brasil, na década de 70, a História Oral servia quase que exclusivamente para
trabalhar com as comunidades dominadas, isto é, as que, por motivos mais que
conhecidos, não tiveram oportunidade de ter suas histórias registradas, por não
fazerem parte das elites dominantes. Havia a dicotomia entre a chamada história
oficial e a não oficial e, esta sim, poderia oferecer um universo próprio para
ser explorado através da História Oral (Correa, 1996, p.63).
O
desenvolvimento recente da chamada História Oral como método de pesquisa, recomendado também por cientistas sociais,
desejosos de enriquecer o conhecimento com experiências vividas e de romper com
o caráter unilateral das memórias oficiais, tem permitido um conhecimento mais
aprofundado de populações tradicionais, como os caiçaras, seu modo de vida e
sua história.
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