Embarque no Saco do Sombrio com Rê, Vera & Cia (Arquivo História) |
TIRANDO DA PEDRA, COLOCANDO NA
REDE
Pedro
Antônio dos Santos
No final da década de 1980 até os
primeiros anos da década de 1990, os professores Pedro e Vera, meus compadres, viveram na Ilha dos Búzios, no
arquipélago da Ilhabela. Sibila e Pedrinho, a prole de então, eram duas
graciosas crianças. Neste relato aparece a contribuição deles à Feira de
Educação, de 1993.
Introdução:
Esse projeto foi possível graças
ao Curso de Mitilicultura oferecido pelo Instituto de Pesca, pelo fato da Ilha
dos Búzios possuir excelente banco de sementes e também devido à carência da
comunidade local por novas alternativas econômicas.
Fazendo cursos, participando de
encontros, procurando as mais diversas instituições, além de pesquisar
(costumes e necessidades) e consultar personalidades diversas do local e de
“fora”, procurando entender o processo de cultura em que nos inseríamos como
profissionais da Educação e também como “moradores”, descortinou-se um mundo de
situações em que a técnica haveria de ser repensada e, as adaptações que se
faziam necessárias iam além de criatividade e da motivação “do momento” (de
aula), pois o que se vê simples e comum nem sempre o é. E aqui não foi
diferente.
Desenvolvimento:
Em janeiro houve o curso... e
quando foi colocada a ideia de acompanhamento do trabalho escolar, aproveitamos
o trabalho que a comunidade vinha desenvolvendo e aplicamos como tema central
das atividades escolares, já que o mesmo motivava bastante, sendo de domínio
das crianças a situação que envolve a captura, venda, alimentação e o ambiente
em que vive o animal. Aqui vai um adendo: o sentido, as expressões e o próprio
significado das palavras têm características que na comunicação geral passam
despercebidas. Explico melhor: a expressão oral se faz, porém sem definição das
ideias trocadas; isto quando a comunicação é feita com pessoas de fora da
comunidade. Passamos então a organizar os conteúdos que poderiam ser
desenvolvidos mantendo a interdisciplinaridade, sem forçar uma “nova matéria”,
pois isso ficaria para o momento da ação, orientado pela motivação e
necessidade.
A partir do roteiro básico,
dentro da Proposta Curricular, de seu conteúdo, idealizamos algumas atividades
globais que norteariam o trabalho: a-
excursão à costeira, b-
classificação dos seres da costeira, c-
coleta de mexilhões para a semeadura (separação – panela – dimensionamento), d- semeadura, e- fundeio, f-monitoração,
g- coleta, h- discussão conclusiva ou final.
Para a execução desse roteiro
levaríamos o ano inteiro, o que nos incentivava – e muito! – já que formaria um
elo evolutivo não só dos conteúdos das disciplinas, mas da vida em si que
enriqueceria em muito a compreensão, pelas crianças, da necessidade diária de
trabalho para consecução de qualquer “coisa” (profissão, estudo, crescimento
corporal etc.). Uniríamos o todo às suas partes.
Essas atividades dariam margem no
cotidiano escolar a todo desenrolar programático das disciplinas já que, de
cada uma delas surgiriam: textos orais e escritos, palavras novas e novos
significados das palavras conhecidas (exemplo: costeira e Costeira não diferem
no oral, porém para as crianças “dos Búzios”, Costeira é um bairro e costeira
de pedras...). E sem dar menos importância, estaríamos trabalhando a HARMONIA,
ou seja, com a compreensão dos processos de desenvolvimento, de todos os mecanismos
e necessidades que envolvem os seres. Nossos alunos estariam compreendendo a
si, aprendendo a estabelecerem relações
com os demais seres e o ambiente no todo e nas partes, formando conceitos que
os habilitem a um desenvolvimento sustentado” em todos os setores da vida.
Algumas pessoas da comunidade
toparam o projeto. E, valendo-se da tradição da comunidade local, o Sr. Maneco,
na primeira oportunidade em terra, preparou as âncoras e cabos remendados (tudo
improvisado), garateias velhas etc. O material básico utilizado na colocação
das tiras e boias foi improvisado no próprio local. Começamos então a trabalhar
o tema com os alunos através dos conceitos sobre o ambiente entremarés
costeira. (É bom lembrar que na Ilha dos
Búzios não existe nenhuma praia). As sementes (pequenos exemplares selecionados
de mexilhão) para confecção das redes foram tiradas na costeira próxima à
escola. Nesta fase os alunos observaram e discutiram a vida dos seres no
ambiente de costeira fazendo a relação do conhecimento “local” com o “escolar”,
ou seja, houve uma grande troca onde eles colocaram todo seu conhecimento
prévio como comunidade e nós transmitimos nossos conteúdos enquanto educadores.
Assim, enquanto a ideia era trabalhada em sala de aula com texto
(alfabetização) e outras atividades, o cabo do “long line” foi fundeado com a
participação dos alunos e da comunidade. O material improvisado não oferecia
resistência adequada, necessitando do máximo de cuidado, levando-se em conta o
uso de canoa e condições de tempo. O processo seguiu com comentários constantes
em aula, onde se analisava as opções que a mitilicultura oferecia aos alunos e
comunidade em geral.
M E X I L H Ã
O → lixo → lixão → - Onde fica? – No buraco. –É? Como? – Tudo junto? – Não! – Então como
se faz? – Faz adubo! – Onde? - No
buraco! – E do buraco vai pra onde? – Vai pro Saco!
LIXO – higiene – saúde. REMÉDIO –
saúde. PLANTAÇÃO – alimentação – geração de renda – saúde.
QUEIMADA – extinção de madeira
para canoa – artesanato.
MATA – animais – criação – caça.
Aspectos positivos:
A mitilicultura é hoje uma
alternativa econômica viável e desejável, possibilitando ao pescador manter sua
“renda” em períodos de defeso e ainda oferece outras possibilidades que a pesquisa
nos revelará. Sendo assim se justifica a necessidade de incluí-la nas
atividades escolares em nosso município, unindo “economicidade e preservação”.
A cultura dos mexilhões sendo bem orientada pode ser um estímulo à preservação.
Aspectos negativos:
O IP (Instituto de Pesca) e a
CATI (Coordenadoria de Assistência Técnica Integral) supervisionaram a
experiência qualificando-a como bem sucedida já que, conforme o mapeamento
feito pelos oceanógrafos, o Saco das Guanxumas, localizado na Ilha dos Búzios,
era inadequado para o cultivo. O Instituto de Pesca disse que o crescimento das
sementes estava muito bom e que a colheita deveria acontecer com sucesso. O
triste da história é que o cabo afundou durante as férias escolares e não se
efetivou a colheita, não havendo assim a possibilidade de avaliação do que
realmente aconteceu. Porém, toda a experiência mostrou a simplicidade da
técnica e a viabilidade do trabalho tanto com o aluno como com a comunidade.
Não foi feita a avaliação por não terem recolhido os cabos, mas a comunidade se
convenceu da viabilidade do cultivo, representando uma grande vitória pela
tradição de resistência desse tipo de comunidade.
Conclusão:
A aplicação do projeto trouxe
resultados além dos esperados pois, além da gratificação da realização em si,
conseguiu-se um intercâmbio com a CATI (Engenheiro Agrônomo Maurício P.R.
Alves) e IP (Sérgio Ostini) que “visitaram” o micro-line (espinhel de mexilhão)
considerando válido o experimento, visto que os mexilhões se fixaram bem,
desenvolvendo-se dentro dos padrões. No aspecto escolar foi grandioso, pois as
crianças verificaram sobre aquilo que acreditavam já saber tudo, aprenderam novidades
e curiosidades. Puderam manipular e monitorar o desenvolvimento enquanto
trocavam conhecimentos e tiravam dúvidas. A maior delas era: “Será que cresce
na corda?”. A comunidade, mesmo quem era jovem, achava que não daria certo. Ou
seja, com a conclusão do projeto o efeito do trabalho foi maior, mostrando
assim como atividade de Educação Ambiental integradas ao currículo, de forma
interdisciplinar, rendem um aprendizado concreto e construído ali mesmo, no
contexto cultural.