sexta-feira, 15 de abril de 2016

NA VERDADE...

                                    

                          Ney Caetano: seja bem-vindo ao blog!
     
                      Comecei a falar tardiamente, quase chegando aos cinco anos. Eu nunca quis saber a razão disso, porque foi assim, o que pode ter acontecido e influenciado o fenômeno. Teve até um frade italiano (José Bertazzo) que, ao nos visitar, tentava me ensinar, me fazer soltar a fala: “Dica Chosé” (Diga José). Na verdade, mesmo depois de estar com uma comunicação razoavelmente boa, nunca fui de falar além do mínimo em casa. Na escola se repetia a mesma coisa, sempre poupava a minha fala. Por isso várias vezes eu tive defensores quando algum inspetor escolar chegava anunciando que “todos os meninos receberão advertência pela bagunça de hoje”.  Sempre era mais de uma voz a retrucar: “O Ronaldo não. Ele sempre está quieto em sua carteira”.

                      “Não é de falar quase, mas reina muito!”, dizia a mamãe. Uma coisa é certa: eu andava muito. "Esse menino é um bate-pernas de marca maior!". E como andava! E brincava por todos os lugares! E ia para o trabalho sempre empolgado, ansiando para aprender, para descobrir novas coisas e para prestar bem atenção nas falas das pessoas.

                      Numa ocasião, depois que o tio João falava importunado pelo meu silêncio, vovó Eugênia interferiu: “Deixa o menino em paz, João. Repare bem: será que  essa  gente que tanto fala consegue enxergar além do nevoeiro das palavras, do que está dizendo?”. Tenho a impressão que apenas depois disso comecei dar mais atenção às palavras. Exemplo: Por que caneca tem o nome de caneca? Por que o Artelino Flor  foi registrado com o nome de Artelino Flor? Também notei que algumas palavras são “desastradas”, geram interpretações diferentes. “Ah se a Maria visse! Metia a boca que acabava!”. No caso, tratava-se de uma estripulia sem igual. Sorte que a Maria, a dona da casa não se fazia presente, senão teria  xingado todo mundo.  Quer saber qual foi a arte? Alguém, aproveitando-se da escuridão, defecou  em cima de uma galinha que chocava ovos num balaio.

                      E o que dizer da nossa habitual pressa em dizer algo, em suprimir letras ou até mesmo palavras? Quando aparecia alguém “todo prosa na fala”, querendo detalhar demais, a mesma avó tinha um dizer: “Quem se demora em palavra por palavra é porque não quer dizer toda a verdade”.

                      Não sei, mas hoje, ao relembrar de comentários assim, tenho a impressão que a intenção da vovó era desenvolver uma força interior em nós, querendo que gente achasse/fizesse uma direção de sentido à vida. Acho que era isso. Bem poderia ser mesmo.

                      Várias vezes, em vez de palavra ela recomendava ação: “Faça primeiro, Zezinho. Faça com vontade para não deixar mal entendido”. Deve ser por isso que encontro tanta dificuldade entre pensamento e linguagem. Para mim é um exercício custoso trazer algo de nível mais profundo para um ordenamento de palavras que se tornem mensagens bem claras. Elas somem quando eu mais preciso. No fundo, permanece aquele sentimento que as palavras se dissolvem na natureza, tal como um ser que desaparece nas profundezas. “Era uma arraia pintada. Eu vi, tava boiada, mas afundou... afundou... até desaparecer de vez na escuridão da fundura”.

3 comentários:

  1. Obrigado. Achei muito interessantes suas postagens e muito bom o seu estilo literário. Sou um entusiasta por história e por lugares. Como me mudei recentemente para Ubatuba, embora frequente a quase 40 anos, procurei logo me inteirar da história da cidade e dos costumes locais e achei o seu blog, o que mais me interessou. Também me arrisco nessa área (sinta-se à vontade para visitar o meu,http://g7dearturnogueira.blogspot.com.br/), se quiser, embora os assuntos sejam diferentes. Parabéns pelos textos, continuarei acompanhando.

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  2. Amigo Zé Ronaldo voçê é admiravel ! gostaria de ter um cui do seu talento. Parabéns Amigo,

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    1. Não exagera, Pedro! Apenas insisto em registrar a nossa história. Um abraço.

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