segunda-feira, 22 de fevereiro de 2016

ADMIRAÇÃO DO TIO ANTÔNIO

Socó-boi. (Fonte: internet)

                Noutros tempos, em Ubatuba, nós caiçaras só usávamos água dos rios, ou seja, não tínhamos água encanada. Algumas pessoas tinham seus poços d’água no terreiro, mas eram poucas. Deste contexto já se passaram cinquenta anos.
                Em cada rio havia um “porto”, uma referência: “Porto da Jorgina”, “Porto da Tia Rita”, “Porto da Tia Santa” etc. Onde a minha mãe se debruçava em vários momentos do dia era o “Porto da Laura”. O “Porto da Vó Martinha” era o último, quase na vargem que se encontra com o Morro do Amorim. Nestes  lugares se areava panela, lavava roupa, consertava peixe, limpava caça etc. Também era onde a gente passava o balaio para pegar camarão, pescava lambaris, muçum, bagre etc. Até cágados eram fisgados por nossos anzóis.
                De vez em quando apareciam uns homens. “É gente da malária”, dizia a mamãe. “Eles tacam veneno na água para matar borrachudo”. Hoje, são funcionários públicos, da SUCEN (Superintendência de Controle de Endemias), com um detalhe: não os vejo com a mesma regularidade de antigamente.
                Naquele tempo, na tarefa de combater borrachudos e outros insetos, eles usava um veneno poderoso. “É BHC”, dizia o papai. Hexabenzeno de cloro.  “Por isso mata tudo”. E matava mesmo! Que crime!!! Lembro-me bem de várias ocasiões em que vi a água esbranquiçada repleta de peixes mortos ou ainda se debatendo desesperadamente, descendo em rumo ao mar. Os camarões até saíam margem acima fugindo da morte que estava na água. Até cágado e marisco do barranco pedregoso morriam. Foi neste contexto que o Tio Antônio Félix contou:

                - Sabe que hoje eu me admirei muito com um socó, lá na ponte que vai para o engenho, perto da casa da Tia Brandina? Foi assim: no pau da ponte estava pousado um socó olhando para a água que arrastava uma montoeira de peixe morto por causa do “veneno da malária”. De repente, ele enxergou um muçum que ainda se debatia. Logo ele mergulhou e pescou aquele bicho escorregadio que seguia para a maré baixa. Era dos grandes, de mais de dois palmos de tamanho. Em seguida voltou ao pau onde estava e engoliu a sua refeição. E aí aconteceu o inesperado: não demorou quase nada, logo o que foi comido já estava saindo pelo outro lado, sendo descomido e caindo de novo no rio. Ao avistar aquele muçum lerdeando na superfície, de novo o socó mergulhou e repetiu o mesmo ritual anterior, inclusive descomendo em seguida. E de novo o socó avistou o mesmo muçum “dando sopa” na água. E ele fez as mesmas coisas: mergulhou, pousou, engoliu e defecou. E fez muitas vezes! Eu fiquei mais de hora vendo a bobeira do socó. Foi de admirar!!!

quinta-feira, 11 de fevereiro de 2016

SOCIOLOGIA DO TURISMO (II)

Eu e Estevan  defronte a Toca da Velha, na Ilha Comprida (Arquivo Helen)

          O acordo de paz (1563) ocorrido em terras ubatubanas, mediado pelos jesuítas, permitiu que por estas terras fossem chegando frequentadores europeus, sobretudo portugueses. Desse modo foram se estabelecendo e trazendo mais gente. Não demorou muito para se esparramarem ao longo da costa, fundando a vila (1637). E vieram os dízimos cobrados pela religião (e os redízimos a serem enviados para a Condessa de Vimieiro, herdeira de Martim Afonso de Sousa). Enfim, a terra dos tupinambás agora rendia tributos para quem nunca pisaria nela.

          Primeiramente os pobres lutavam para se manterem vivos. Depois vieram as possibilidades de ganhar dinheiro com produtos a serem destinados à área de mineração, ou seja, para as Minas Gerais. Cachaça, farinha de mandioca e peixe seco eram as principais fontes de renda. Já era a segunda metade do século XVIII e o porto de Ubatuba estava em plena movimentação. Logo depois da boca da barra, na Prainha [do Padre], estava o atracadouro. 

          A estrada oficial, depois que atravessava o Mato Dentro, partia da Cachoeira dos Macacos em direção à Vargem Grande (Serra Acima), segundo Félix Guisard, “traçado sobre um antigo carreiro de antas”. Ainda está lá para quem queira conhecê-la! Antes da famosa Guerra dos Emboabas, esse era o Caminho do Ouro, sendo depois realocado para as localidades de Cunha e Paraty. A propósito, aquela via agora está tinindo com um trecho em bloquetes. Vale a pena conferir!

          Quando veio a ocorrer a primeira decadência, em 1787, no território ubatubano estavam abrigados inúmeros engenhos (de açúcar e cachaça), olarias e serrarias. “Em estaleiros próprios construíam-se embarcações necessárias ao comércio de barra afora”. Por ordem do capitão general Bernardo José de Lorena, presidente da Província de São Paulo, “todas as embarcações que zarpassem de seus portos eram obrigadas a se dirigirem ao porto de Santos”. Esta é a base do desenvolvimento da Baixada Santista. Desse modo acabou o livre comércio, principalmente com o Rio de Janeiro, onde os lucros eram compensadores.

          Por volta de 1760 o município estava avançando na produção de anil e de café. Caio Prado Júnior indica os primeiros municípios dedicados ao cultivo do café: Ubatuba, Areias, Bananal e São Luiz do Paraitinga. Vem outra onda de prosperidade para atrair investidores (fazendeiros e comerciantes), exigindo um maior controle das vias, “cabendo a um Regimento Especial ao Real Serviço do Caminho da Serra Acima, para fazer vedar o grande número de desertores facínoras e escravos que ali comumente estão passando sem pagarem os direitos de Sua Majestade”.

          Interessante notar que estrangeiros já se fixavam por aqui. Quem for passear na Ilha das Couves, partindo da Picinguaba, primeiramente cruzará a Ilha Comprida. Atenção que esta informação não se escuta dos condutores das lanchas, no percurso que dura quinze minutos:
          “Na Ilha Comprida, no ano de 1785, há a seguinte ocorrência: o francês Jean Baptiste Raton foi assassinado pela própria mulher. Era possuidor de ouro, prata, escravos, terras e casas”. Entendeu, Benê? Que trabalho interessante podem mostrar algumas escavações na referida ilha!?! Por isso, conte isso aos turistas vindouros!
          
         Em 1797, o tenente coronel Cândido Xavier de Almeida estava no comando da vila de Ubatuba. O mesmo foi presidente da Província de São Paulo entre 1822 e 1824. Na linguagem de hoje: de prefeito a governador. Então não é importante a nossa Ubatuba desde aquele tempo?

segunda-feira, 8 de fevereiro de 2016

SOCIOLOGIA DO TURISMO

Cruzeiro de Anchieta (Arquivo Ubatuba Antiga)

          O turismo exige formação em todos os sentidos (estudar, pesquisar, visitar lugares, conversar com pessoas...). Ter um turismo de boa qualidade, atender bem aos visitantes e se realizar nisto não são tarefas fáceis. Fácil é sujar tudo, ocupar áreas impróprias, dificultar acesso aos patrimônios públicos etc. A Sociologia do Turismo é um sustentáculo imprescindível para  ser eficiente na dinâmica que gira na relação cotidiano/anticotidiano. Começar entendendo a história é um ótimo começo. Eu, nas minhas limitações, sempre estou querendo contribuir com alguma coisa nessa direção. Torço para estar ajudando alguém. Perdoem-me os historiadores pela minha ousadia numa seara que não é minha. Estando para comemorar cinco anos de blog, vou preparando outros textos nessa direção. 

        Eu costumo partir de um roteiro básico, lembrando que em 1500, por ocasião da chegada dos portugueses por estas bandas, neste território circulavam, entre diversas tabas desde a Baía da Guanabara, os índios do grupo Tupinambá.

      Os tupinambás foram descritos em seus costumes e suas tradições por diversos viajantes e aventureiros europeus, dentre eles o alemão Hans Staden. Desses indígenas nós sabemos bastante coisa. Mas... antes deles, este território (Ubatuba) já esteve ocupado por volta de 1200 anos antes. É o que mostra as escavações arqueológicas nas ilhas (Vitória, Mar Virado...) e no Sitio do Tenório. Outros lugares e outros vestígios ainda continuam obscuros.

         Parando no Cruzeiro, na Praia de Iperoig (ou do Cruzeiro, no centro da cidade), é possível abordar a saga dos tupinambás. Sob a liderança de corajosos caciques da região, a nossa terra foi palco da primeira resistência organizada contra os europeus no continente americano: a Confederação dos Tamoios. Naquele lugar, bem junto ao marco que até já sofreu  tentativa de ser retirado por fanatismo religioso,  você pode explicar a Paz de Iperoig. Foi ali que se firmou um acordo mediado pelos padres Anchieta e Nóbrega para por fim ao conflito entre os tamoios (designação para quem já ocupava primeiro este território) e os portugueses. Aos pés do Cruzeiro, em 14 de setembro de 1563, data em que a Igreja Católica tem no calendário como o dia da Exaltação da Santa Cruz, se estabeleceu a paz, ou melhor, as condições para os portugueses se imporem aos donos da terra. A cada ano, bem ali, deveria se rememorar tudo e dizer a verdade: “Aqui aconteceu a Traição de Iperoig”.  Defendo que foi uma traição porque apenas os tupinambás cumpriram a sua parte no acordo, o primeiro verificado na América, no novo continente.
A Traição de Iperoig foi o sustentáculo para a fundação da vila. Assim já escreveram:

               “Sendo a donatária da Capitania de São Vicente, a Condessa de Vimieiro, Dona Mariana de Sousa Guerra, entre outros beneficiários, doou vasta extensão de terras que compõem hoje o território do município de Ubatuba, a Dona Maria Alves que, por sua vez, doou o necessário a Jordão Homem da Costa para que este fundasse a vila, no mesmo local onde existiu a aldeia de Iperoig”.

            Assim:

              "Por provisão de 28 de outubro de 1637, do então governador geral do Rio de Janeiro, Salvador Corrêa de Sá e Benevides, a antiga aldeia de Iperoig foi elevada à categoria de vila sob o pomposo nome de Vila Nova da Exaltação da Santa Cruz do Salvador de Ubatuba".

               Nesta minha contribuição você aproveita para questionar, entender ou explicar os nomes que orientam nossas ruas. 

               Me darei por satisfeito se conseguirmos estabelecer uma Sociologia do Turismo capaz de orientar um desenvolvimento sustentável, que preserve o meio ambiente e a cultura local. Bom turismo!