quarta-feira, 30 de setembro de 2015

QUE PEPINO!

Primeira colheita após 40 anos (Arquivo JRS)

                Neste ano (2015), estou tendo o prazer de trabalhar no Massaguaçu, em Caraguatatuba. Meus colegas são maravilhosos! Dá muita satisfação perceber o quanto somos responsáveis pelo brilho em tantos olhos que vão desvendando o mundo pelos estudos, pela reflexão com parâmetros de adultos no mundo do trabalho. Mas... além disso, quero contar  aos leitores uma surpresa bem minha: trata-se da redescoberta de uma planta, na verdade um cipó. Ou melhor, de uma espécie de pepino que, na minha infância abundava no litoral, nos espaços onde os caiçaras brincavam e coletavam frutos.
                A última vez que apreciei desse pepino, cuja dimensão está em torno do tamanho da unha do meu dedo polegar, foi aos treze anos, quando trabalhava como servente de pedreiro na Praia da Enseada, na construção do Hotel Nosso Cantinho. Toda aquela área, de mata maravilhosa, repleta de maracujá roxo e de pepino, era do “Inglês”, o falecido companheiro da Dona Jovina. Portanto, passei quarenta anos na busca desse fruto tão singelo, que se esconde trepando pelos galhos de algum terreno nativo. "Ele estava ali, bem perto da escola, logo depois daquele lindo bambuzal. Sorte que os meus olhos buscavam algo".
                Agora, depois de conseguir formar mudas, já estou coletando pepinos no meu quintal. Grande satisfação é poder apresentar tal fruto, com gosto de infância, à minha esposa, à minha filha, ao meu filho e a outras pessoas que tanto estimo.

                De vez em quando me recordo de outras frutas, de outras raízes e de algumas plantas que há tempo não vejo. Tenho certeza que elas se tornaram raras (ou sumiram?) porque os espaços foram ocupados e aterrados devido à especulação imobiliária, com casas ficando até anos sem hospedar ninguém. É assim que a terra perde a função social e deixa-nos com saudades de outros seres (plantas, animais...) que também foram desalojados do chão original.

segunda-feira, 21 de setembro de 2015

TURISTAS MILENARES




Costeira do Mar Virado (Arquivo JRS)
Fóssil encontrado no rio Ipiranguinha (Arquivo JRS)



      No final de abril [de 1993] os pesquisadores liderados pela arqueóloga Dorath Finto Uchôa [1927-2014] retornaram a Ubatuba para mais uma etapa de seu trabalho de escavação e classificação dos artefatos e ossadas encontrados no sítio arqueológico da ilha do Mar Virado que revelaram hábitos de um grupo que viveu na região no início da era cristã, em uma pesquisa que prossegue tanto no campo quanto nos laboratórios e gabinetes. O material encontrado na primeira escavação, em 1990, confirmou que se tratava de bandos seminômades pertencentes à chamada "tradição Tenório", pois na praia de mesmo nome os pesquisadores descobriram o primeiro sítio com vestígios desta cultura. Os povos da tradição Tenório eram ágrafos, não tinham escrita. Baseavam sua alimentação na coleta de conchas. Cerca de duzentas pessoas formavam cada grupo. Viveram na região muito antes dos tupi-guarani . Parte do material coletado nas pesquisas pode ser visto no museu histórico, localizado na praça Nóbrega - centro. A ilha do Mar Virado fica a 22 km da costa. O trabalho arqueológico coordenado pela professora Dorath conta com uma equipe multidisciplinar formada por pesquisadores da Universidade de São Paulo. Na primeira expedição o professor de anatomia Arnaldo Vieira dos Santos estimou que os indivíduos tinham cerca de 1,60 m de altura, a partir do estudo das ossadas, dificultado pela má conservação resultante do clima quente e úmido.

          Os estudos existentes situam a ocupação das Américas há cerca de 12 mil anos. Grupos de habitantes da Sibéria penetraram no continente pelo norte, cruzando o estreito de Behring para atingir o Alasca, quando o frio fez recuar o mar, deixando a terra à mostra. Estes primeiros grupos espalharam-se até ocupar a Patagônia. A maioria dos sítios arqueológicos têm no máximo 12 mil anos. A teoria da ocupação balançou com a descoberta do "homem do Piauí". Segundo a arqueóloga Niède Guidon, as pedras lascadas e carvões de fogueira encontrados no boqueirão da Pedra Furada datam de 50 mil anos ou mais. Embora a descoberta ainda seja polêmica, já se pode discutir a existência de seres humanos há mais de 12 mil anos, no Brasil. Eles seriam os mais antigos habitantes das Américas. Os antepassados dos povos do Mar Virado, portanto, já estavam no continente há pelo menos dez mil anos quando os seminômades catavam conchas e enterravam seus mortos entre pedras perto das praias do Litoral Norte.

(Fonte: Revista IGARATI - 1993)

domingo, 13 de setembro de 2015

PUTA QUE LAMPARINA!

Cará-moela e outros produtos do meu quintal (Arquivo JRS)
Indaiá: o maior coco das nossas matas (Arquivo JRS)

                Esta exclamação bem ao modo do Tio Dito Félix, além de um sonho nesta madrugada, onde aparecia a Costeira do Cambiá, na Praia da Fortaleza, me fez recordar de atividades que até muitos dos mais velhos nem se lembram mais. Um exemplo é a coleta de limo na costeira, tão comum até a década de 1970, por encomenda de compradores japoneses. “Ah! Quantas vezes não vi o Tio Maneco Armiro juntando daquele limo nas pedras do Canto do Cambiá!?!”.
                Conversando com o Tio Neco (que agora está muito enfermo, no hospital de São Sebastião) a respeito desse trabalho, ele completou:

                “Assim que abriu a estrada [1953 – Caraguá-Ubatuba], apareceram os japoneses para comprar limo. Os caiçaras recolhiam nas costeiras, traziam para casa, punham para secar durante três dias num jirau de pindoba, de onde saía um cheiro muito gostoso. O seu avô [Estevan], o seu pai [Leovigildo] e o seu tio Chico faziam esse serviço. Num dia marcado vinha o japonês e comprava tudo. Era um dinheiro a mais para comprar as coisas que a gente precisava e não tinha”.

                    A coleta do coco indaiá para fazer paçoca e tomar com café era outra atividade da nossa rotina, em meados do ano, quando estava seco e se desprendia dos cachos. Foi o que fiz na semana passada. E o que dizer da safra de cará-moela que agora me farta?


                “Puta que lamparina! Nem parece que faz tanto tempo esse nosso viver!”.

domingo, 6 de setembro de 2015

PANAGUAIUZADA

Pescando panaguaiús (Arquivo JRS)
                                      Bem-vindo ao blog Beto Francine!
                         Bem-vindo ao blog Nassif!

                Há mais de quatro décadas conheci o Antônio “Panaguaiú”. Eu já era crescidinho, um adolescente curioso. Na verdade, eu conheci o Velho “Panaguaiú”. O nome verdadeiro dele eu nunca soube, assim também como nunca descobri a razão desse apelido. Afinal, eles sempre foram apenas roceiros, nunca tiveram habilidade na pescaria. Essa tradição do nosso lugar em filho herdar apelido do pai é interessante: o Dito “Cutia” tem os seus que trazem o título desse roedor (só não sei se os netos seguem a tradição), a Maria “Rolinha” tem as suas filhas também chamadas nesse nome que inspira mansidão, o Velho Casimiro “Mandioca” tem o seu “Mandioquinha” que se tornou um pilantra etc.
                Panaguaiú é peixe cumprido que está sempre à flor da água, também chamado de peixe-agulha, que se pesca em boia de flecha de capurubu. É assim: você faz uma cruzeta com um palmo em cada ponta, põe um pequeníssimo anzol num curtíssimo pedaço de linha fina em cada braço da cruzeta, capricha na isca  e solta na água sem esquecer de prendê-la a uma linha içante para puxá-la de onde estiver.   Depois... me convida para um café com farinha e peixe frito!
                Então, conforme eu comecei este, o Antônio “Panaguaiú” era roceiro, mas logo arrumou emprego de carteira assinada na prefeitura, na gestão do Basílio Cavalheiro. Deixou o terreiro do pai. Com a sua Anna esperando a primeira criança foi para um desses sertões nosso. Era distante, mas o terreno grande era deles. Tinham horta, criavam galinhas e patos... e crianças! Tiveram sete filhas. As primeiras foram se casando e ficando por ali. Netas e netos foram se somando e diminuindo o espaço. Recentemente o patriarca morreu. Anna agora reina como matriarca.

                Por estes dias, aproveitando o feriado prolongado, fui visitar a minha estimada Anna. Depois de um gostoso abraço, sentamos no portal da cozinha com uma caneca de café e ficamos mais de hora proseando. As crianças se teciam: algumas eu já conhecia, mas muitas eram novas. “Esta é a minha bisneta”. “Aquela dali, brincando com uns tocos de brinquedos também é minha bisneta”. “A outra, a loira, é filha da minha caçula”. “As quatro já enlameadas a esta hora são netas”. “Lá na sala está a minha filha do meio com a sua filhinha de mês”. "É" - digo eu - “você e o ‘Panaguaiú’ se especializaram em mulheres e transmitiram o jeito de fazê-las”. A Anna dá uma gostosa risada. E acrescenta: “ainda bem que foi assim, né? Você imagina a panaguaiuzada que teria em casa se fosse todos homens?”.