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Vê o M na parte inferior? - Arquivo JRS |
Era bem cedo quando eu fui à praia com meu pai para ver as canoas chegando de visitar os tresmalhos. Ah, faz muito tempo isto! Eu gostava muito de ver a tranquila movimentação e admirar os pescados que se ajuntavam nos balaios e fundos das canoas. Também adorava contemplar os desenhos que o sobe e desce das marés deixava no lagamar: eram "árvores" que não se repetiam. Foi naquelas areias molhadas que eu aprendi as primeiras letras: meu pai escrevia e eu copiava ao lado.
Tio Dário Barreto tinha uma canoa preta, grande, que dava muito trabalho para dois remadores, mas ela com ela que ele se lançava o mar quase todo dia. Ele era sossegado, falava devagar... Desconfio que nunca teve pressa para nada. Dormi. Numa dessas manhãs, vendo eu ali fazendo os rabiscos na areia, ele ficou contente, disse que foi assim que seu pai também havia lhe ensinado a ler e a escrever. "Naquele tempo não havia escola por perto, menino. Nem sei como o meu pai foi alfabetizado, lia de tudo que aparecesse. Vou agora lhe mostrar como eu fui ensinado pelo meu finado pai". O tio Dário, naquele dia distante, me apareceu num sonho. Pegou uma vareta maior e começou a desenhar. Primeiro foi uma casa reforçada nos traços do telhado: "Aqui na cumeeira está a letra A. Ela aparece na palavra casa duas vezes". E escreveu CASA. A seguir desenhou uma concha: "A costa dela é a letra C, tais vendo? Olha ela aqui no começo da nossa palavra". Depois ele suspendeu um verme do mar, inerte ali perto, depositou perto da palavra casa e deu uma ajeitada com a vara de modo que cobriu o traço do S. "Pronto. tá feito! Foi assim que eu fui aprendendo. Ainda hoje, ao olhar cada coisa, eu primeiro enxergo letras. Faz assim que, logo logo, você vai estar escrevendo e lendo". Em outros dias ele fez outros desenhos com a mesma intenção de me ensinar. Contei o sonho ao papai. Ele gostou e seguiu o exemplo, a didática daquele caiçara que tantos causos contava na praia da Fortaleza.
Não é que ele, mesmo no sonho, estava certo?! Acho que foi daquele dia em diante que peguei o hábito de desenhar no chão e em qualquer lugar que fosse possível deixar uns traços, umas garatujas. Eu era "um perigo" com qualquer pedaço de carvão em mãos, dizia a mamãe.
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