sábado, 30 de abril de 2022

A LÍNGUA PROIBIDA QUE NOS FEZ POVO



Nossas raízes tupinambá - Arte: Eudes Cavalcante



     Estou no ônibus, sigo para o trabalho conversando com a amiga Jacqueline. De vez em quando explico algo do percurso a essa pessoa que tanto gosta da nossa terra. "Aqui é o Sapê, onde nasci. É triste ver essas casas assobradadas que vão tirando a visão do mar. Pior é imaginar as areias sendo tomadas pelos esgotos assim que esses edifícios forem sendo ocupados. Você sabe o que é sapê? É planta, da família das gramíneas; nasce pelos morros secos e serve para fazer coberturas. Vou lhe mostrar o tanto que cobre o morro entre o Rio da Prata e a Tabatinga. Quando eu nasci, a maioria dos caiçaras usava sapê para cobrir suas moradias. As telhas eram caras, pouca gente podia adquiri-las. Meu pai era um exímio carpinteiro, fazia coberturas com sapê. Quando aparecer a oportunidade de encontrar um sapezal, arranque uma planta e experimente a raiz, mastigue. Parece cana. Bem antigamente, dizia a vovó Martinha, o meu povo  socava essa raiz, deixava na água para mais tarde tomar, pois servia de remédio para as vias urinárias". 

   Em seguida está a Maranduba, onde as modificações no jundu são gritantes: não se vê a faixa de terra, onde uma mata, repleta de passarinhos, pitangueiras, goiabeiras, araçaeiras e pés de manacarus nos encantavam na infância, há mais de cinquenta anos. "Tia Brandina, que morava na beira do rio, perto daquela mangueira que persevera ali, dizia que Maranduba era lugar onde os moradores primeiros se reuniam para contação de bonitas histórias, onde uma geração aprendia com a outra mais velha. Pois é, amiga, essa é a razão desse lugar ser chamado de Maranduba: um ponto de encontro para prosear".

  Agora é Tabatinga:
 "A parte de Ubatuba é Galhetas (uma espécie de ave aquática), mas quase ninguém sabe disso. Tabatinga é barro branco, uma argila bonita. Pode ser que nesse lugar as habitações primitivas fossem barreadas com tabatinga, constituíam uma Tabatinga Tupinambá. Imagine a beleza que era! Eu e meus irmãos gostávamos de recolher esse barro para modelagem no rio do Seo Licínio". 

    Diante do mar do Massaguaçu, cujo significado é grande lagoa, nos pusemos a conversar sobre as riquezas que uma língua encerra. "Quase todo o Brasil, sobretudo a parte mais ao sul, falava-se uma língua geral, o nheengatu. Diz-se que o bandeirante paulista contratado para exterminar o Arraial de Palmares, em Alagoas, precisou de um intérprete ao discutir os termos com quem falava português. Imagine só! A nação brasileira se realizou, de fato, graças a essa língua-mãe, quando os descendentes de portugueses, indígenas e negros se fizeram povo, construíram a linguagem de coabitação e evolução territorial. Foi a linguagem dos primeiros e essenciais passos. De repente, em meados do século XVIII, um tal de Marquês de Pombal, uma espécie de primeiro-ministro em Portugal, decretou, dentre outras medidas, o fim da língua geral falada no Brasil. 'Deixa de nhem, nhem, nhem' foi a ordem. Ou seja, daquela data em diante somente a língua portuguesa seria permitida. Os jesuítas foram expulsos e seus manuais de ensino foram proibidos.  Imaginem o quanto perdemos ao acabar com essa linguagem dos nossos antepassados! O que chegou até nós são resquícios desses saberes acumulados pelos tempos, inclusive os topônimos que nos circundam. Me alegro em saber que em países vizinhos (Paraguai, Bolívia...) as línguas indígenas são respeitadas e aprendidas. Fico imaginando a geração atual e as futuras deste chão caiçara estudando o guarani, redescobrindo termos/conceitos que certamente iluminarão o nosso lugar, a nossa história, os nossos traços culturais". 

     Por inspiração no amigo Carlos Lunardi, acrescento: De pombo a marreco fomos às brecas.

terça-feira, 26 de abril de 2022

RIQUEZA DE SAUDADES

Em meio à natureza - Arquivo JRS

        Do poema do mano Mingo, junto com a claridade do Sol no horizonte daqui a pouco,  vem os momentos de pensar o que é riqueza.



Das riquezas 

 

Meu avô não era pobre,

pobre sou eu que nem tenho

casa de caiçara no meio do bananal

e mais uma cachoeira de águas cantantes

cantando a canção do princípio da vida.

Tampouco tenho um ranchinho

com canoas e redes de pescar

o que o oceano tem para ofertar.

O que eu tenho, tão somente,

é uma riqueza de saudades.

sexta-feira, 22 de abril de 2022

MOLÉSTIAS MENTAIS

O saudoso Zé Carlos agora virou escola - Arquivo JRS

 
       Nasceu José Carlos Pereira, filho do conhecido Pitágoras, mas o apelido era Zé Frangão. Morreu cedo esse meu amigo, ainda no início da carreira de professor;  hoje nomeia escola infantil no município de Ubatuba, no coração da cidade.

      Certa vez, na escola Aurelina, na Estufa II, conversávamos a respeito de moléstias mentais a partir da nossa vivência como caiçaras. Também, mediante os avanços imobiliários sobre o território caiçara, refletíamos sobre posicionamentos ideológicos que incluíam mais gente e outros que aumentavam as desigualdades sociais, que excluía grande parte da população. "Quem não fica louco com coisa assim, com essas ruindades em nossa terra?", repetia o Zé.  Me recordo que o texto de abertura daquele nosso encontro era antigo, escrito pelo Esteves da Silva, doutor de outros tempos. Hoje, ao me deparar com o mesmo assunto, vendo o tanto de caiçaras embalados pelo fanatismo a ponto de apoiarem um governo declaradamente contra a Constituição Cidadã, a favor dos milicianos, da violência (e vota num governo da extrema direita que persegue a educação e a cultura, acaba com os direitos trabalhistas, zomba de quem está a favor dos meio ambiente e das minorias sociais, favorece delinquentes etc.), dá vontade de enfrentar tamanha ignorância perguntando: "Por que você apoia essa posição ideológica, mas pretende gozar dos direitos conquistados pelo pessoal que está no lado oposto?".  Mas vamos ao texto do Velho Doutor Esteves, na grafia do final do século XIX:

        Os ubatubenses descendem de portugueses, do indígena e do africano: mestiços onde predomina o elemento caucáseo ou o autochtone, herdaram a robustez orgânica, o amor à família, e a crença religiosa do vigoroso lavrador lusitano, a sagacidade e a resignação do índio brazileiro. 

        Nas suas condições ethnicas deparamos com qualidades tão apreciáveis, nas manifestações moraes com tantas provas de affeição pura e cordial, nas emergências da vida vimos fulgurar-lhes uma certa sensatez, um discernimento recto, uma tenacidade tamanha que, não obstante a simplicidade, quase poderíamos dizer bíblica, que transparece como elemento natural do espírito de grande parte da população do campo, tudo denota um povo viril, apto a um futuro de progresso, digno da sociedade paulista, honroso fator da comunhão brazileira.

           A ingenuidade original de suas aspirações limitadas a um presente precário symbolisa a consequência forçada de circumstancias mesológicas anteriores, onde a tradição de um remoto espirito de resistência de nossa população do campo a toda novidade que destruísse hábitos atávicos, se imiscuía com a proverbial indolência do proletário desalentado, títere da poderosa vontade dos plutocratas do interior, pervertido pela criminosa adulteração do senso moral introduzida nas classes submissas pelos dominadores dos antigos latifúndios, verdadeiro feudalismo de tempos que já se foram, graças ao influxo bemfazejo e rehabilitador de uma ideia nobilíssima, a emancipação do elemento servil.

     [...] Hospitaleiro, intelligente, religiosos sem fanatismo, amante da família, ordeiro, não exhibindo bandidos ou assassinos, não contando nos annaes da justiça delictos nefando, deixando, porem, durante annos paginas em branco nos fastos do crime e as cadeias vasias de condemnados - eis a moral, eis a mentalidade d'este povo.

       Aqui não se pôde formar longo arrolamento de casos de alienação mental. Ligeiras perturbações mentaes consecutivas aos excessos alcoolicos entre poucos, rarissimos casos de delirium tremens nos trabalhadores empregados na fabricação de aguardente, pelo abuso de suas libações, resumem as moléstias mentaes tão extensamente attribuidas ao alcool por Magnan e Morel.

     Pois é, meu amigo, essa onda atual de fanatismo, de tantos ignorantes combatendo os conhecimentos científicos, negando a capacidade de análise social, faz pensar em moléstias mentais grassando muito além dos teores alcoólicos de outros tempos. Você nos deixou faz tempo,  Zé Carlos, mas faço questão de compartilhar a nossa posição em comum: é a Educação que pode mudar o mundo. Portanto, na escola deveria se conversar sobre tudo. Ela é o segundo berço da cidadania.


 

terça-feira, 19 de abril de 2022

UM SANTO CAIÇARA

A rabeca do tio Dário - Arquivo JRS

 
Elias, o nosso santo - Arquivo JRS

      O estimado primo Elias cumpriu muito bem o seu tempo de ser vivente nesta Terra. Deu o melhor que alguém pode dar:  bondade, paz,  lealdade,  justiça,  simplicidade e pureza de coração. Com seu talento embalou inesquecíveis momentos, sobretudo ponteando os chorinhos no cavaquinho. Com sua simplicidade contava histórias de outros tempos registradas na memória, vivenciadas e/ou aprendidas da mãe e do pai.

     No meu tempo de criança, já contei aqui, eu adorava atravessar um eito de mato para chegar à casa do tio Dário e da tia Maria para escutar aqueles momentos musicais que eles (a família Alves Barreto: tio Dário, tia Maria, Elias, Toninho e Ditinho) improvisavam na sala daquela casa, no morro da Fortaleza, nos finais  de tardes. Eram os nossos vizinhos mais próximos. Violão, viola, rabeca, pandeiro e cavaquinho se inteiravam no acompanhamento das músicas quase sempre puxadas pela titia. Eu me acomodava numa canoa velha com redes dentro que ficava encostada junto a uma das paredes. Confesso que nunca mais vi isso, esse móvel singular, em nenhuma outra casa caiçara.

     “Eliazinho”, conforme chamava a tia Maria, era o mais velho dos filhos. Por ser tocador, assim como os irmãos, estava sempre nos momentos importantes da comunidade (cantoria de reis, oração na capela, bailes, rodas de cantoria na praia etc.). Toda essa gente, bem como outros tantos daquele tempo, tocavam “de ouvido”, aprenderam com os mais velhos, nunca tiveram chance de estudar nenhuma teoria musical. Sempre me recordo de noites de cantoria na praia da Fortaleza, quando rapazes e moças debulhavam músicas na areia, no lagamar, quase sempre acompanhadas de instrumentos de cordas, atabaque, pandeiro e agogô. Por volta das 22:00 horas já era tarde, estávamos sonolentos e precisávamos descansar para as atividades do dia seguinte. Alguns se despediam dali mesmo; outros seguiam juntos, se separando pelo caminho conforme chegavam em suas casas. Nem os cachorros latiam de tão acostumados que estavam. Alguns deles até se estiravam rente do grupo, parecendo aproveitar da cantoria na areia fofa.

    Jovem ainda o Elias contraiu a doença que o acompanharia pelo resto da vida. Vivia sob remédios, não podia fazer muito esforço físico e nem abusar do sereno, chuva e sol. Mas nunca deixou de ter próximo de si os instrumentos. Eu nunca ouvi uma palavra ruim, um comentário maldoso que saísse da boca do querido Elias. Por isso sempre acreditei que ele era um homem santo.

    A rabeca que pertenceu ao tio Dário está agora sob nossos cuidados. Foi presente dos irmãos ao meu filho Estevan. A cada vez que eu ouvir o seu som saindo do quarto, vou me recordar das vezes que presenciei alguém da família Alves Barreto me proporcionando uma elevação pela música. De todas as oportunidades que vivemos juntos, a bondade, o talento musical e os acordes de seus instrumentos são os que se destacam e o imortalizam. O primo Elias foi um modelo de caiçara marcante. Sigamos seu espírito.

domingo, 17 de abril de 2022

O SOLDADO SITIADO

   
Saco da Ribeira por volta de 1973 - Arquivo Postal



        A estrada é a mesma que, de vez em quando, deixa-se ser entupida por um barranco que desaba com as chuvas fortes; as pessoas passam...Há muitos anos que o Sítio do Promontório está ameaçado, desde o tempo em que ali habitava o Seo Antônio Julião. A  primeira casa veio abaixo faz muito tempo; as outras descerão o barranco também. Dali era linda a vista do mar, da baía da Enseada, da praia da Santa Rita, da Ilha Anchieta ao longe...Andando um pouco mais, chegando no morro da Pedra do Alçapão, era a casa da Dona Terezinha, onde pedíamos cana para ir chupando durante a caminhada e ela era toda alegria em nos ver, pois o vizinho mais perto era o pessoal do Seo Hermínio, na Brava, a praia seguinte (hoje chamada de Lamberto). 

    Foi o Seo Antônio Julião quem me contou da Grande Guerra, quando o Seo Gusto foi um dos convocados a aguardar na Ilhabela, "ficar de prontidão" para ir para a Itália caso fosse preciso. "O Gusto era nascido na praia da Santa Rita e foi convocado e levado apesar dos choros da mãe e de tanta gente. Ele, medroso, alguém que nunca deixara o pacato lugar que nem rua tinha, se viu nessa enrascada. Se não fosse, iria preso. Passou tudo, dispensaram os pracinhas, o Gusto voltou. Só que aquele tempo vivido entre militares mexeu com ele: nunca mais foi o mesmo. Deu de juntar os colegas na praia e ensinar ordem unida, de explicar técnicas de sobrevivência etc. Era engraçado porque os rapazes participavam das fantasias, dos deveres cívicos do Gusto, como uma diversão. Riam a poder da nova condição do coitado. A mãe dele se lamentava porque a vida de soldado com medo de ir à guerra deixara o filho ruim das ideias. O tempo passou, a personalidade nova do Gusto foi encarada como normal. Ele não conseguia trabalhar como antes, tinha um semblante de angústia permanente. Sentava na praia, olhava o vai e vem dos pescadores, mas agora tinha medo do mar. Em tempo de trovoada, o coitado sofria como cachorro, só faltava se enfiar debaixo da cama. Passou a viver  - a sobreviver! -  como pedinte. Punha um saco nas costas e não tinha vergonha de esmolar na cidade". 

     Mais coisas eu escutei dessa gente antiga, desse povo que prestava atenção no tempo, nas cantorias dos passarinhos, nas correções das formigas e nas galinhas que ciscavam os cisqueiros. Seo Gusto morreu na miséria, sempre pedindo para comer o necessário de cada dia. Mais tarde, quando eu soube de outros pracinhas e/ou familiares que, mesmo sendo apenas convocados e tendo vivido a espera, aquartelados igualmente, recebiam um salário na condição de ex-militar, deduzi que o pobre caiçara da Santa Rita sofrera, além do trauma que o invalidou parcialmente, uma injustiça. Quem sabe um pagamento mensal teria evitado as tantas humilhações àquele  homem. Quem sabe? Seo Gusto foi um soldado caiçara sitiado pelo resto da vida devido ao trauma imposto na juventude. Sua luz se apagou há anos naquela casinha escondida no meio do bananal, perto do caminho por onde tantas vezes passei na minha adolescência.

       Depois de tantos anos, ao pé do "Morro do Promontório", me ponho a escrever essas lembranças enquanto espero, dentro de um ônibus, a liberação da pista que veio abaixo depois da chuva forte da noite. Por mais de quarenta minutos o trânsito ficou parado. Assim que foi liberado o acesso, olhei para o alto e pensei: "Mais casas cairão".

sexta-feira, 15 de abril de 2022

NOSSA MATA

 

"É bacupari, Má!" - Arquivo JRS


- Que fruta é esta, pai?
- É bacupari, filha!
- Mas é diferente assim?
- Sim, essa é outra variedade: bacupari-mirim ou bacupari-limão. Tal como o bacupari-açu, ele não é fácil de ser encontrado. Pode ser que a explicação seja devido aos dois terem um azedinho acentuado, mais acidez. Quem sabe, com o passar do tempo, o bacupari comum, mais docinho, foi tendo a preferência e sendo mantido pelos terreiros caiçaras? Quem sabe? Experimente uns e dê a sua opinião.

    Assim apresentei essa fruta da nossa mata em minha casa e para mais gente. As sementes já estão na terra, serão mais mudas a ganharem os espaços, a se multiplicarem. Depois, quando frutificarem, as aves e os animais diversos farão a sua parte, espalharão pelos espaços onde defecarem, por onde deixarem cair as sementes. A nós restará garantir os espaços preservados, deixar que elas cresçam, além de sensibilizar o presente e as gerações vindouras que cada ser tem uma razão de existir, que eles não surgiram por nada e não ganharam essas características (doce, azedo, verde, amarelo etc.) à toa.

- Nossa, pai! É gostosa!
- Eu sabia que você iria gostar.

     Encaminhei algumas das frutas para o estimado Valdir, pois sei que, por suas mãos, muitas mudas já estão produzindo por aí. Parabéns a esse amante tão prático da natureza!

quarta-feira, 13 de abril de 2022

FOGÃO DE LENHA CAIÇARA

Mosaico "O mar é meu" - Arquivo JRS



    Eu recebi um vídeo de uma poesia sendo declamada e uma mensagem carinhosa: "Do meu pai". Assim, por intermédio de sua filha Silmara, eu li a poesia do Maurício Poeta Netto, um cidadão do interior paulista que se achegou ao litoral graças a um convite para trabalhar na Rádio Oceânica, em Caraguatatuba. Nota-se, na sensibilidade do escritor, o ser que se acaiçarou. Que beleza! Valeu, Maurício! E parabéns pelo blog!


Fogão de lenha caiçara

Parece quadro pintado 
Retratando o passado
Vivo na imaginação,

Imagem da lenha embaça
No espiral da fumaça 
Que sai do velho fogão,

Fogão de lenha caiçara
És uma peça tão rara 
Na parede da cozinha,

Ornamentando o cantinho
Um pedaço de toucinho
Mais a ova da tainha,

A madeira do braseiro
Pedaços de espinheiro 
Aquecendo essa saudade,

Família inteira reunida 
À espera da comida 
Com ar de felicidade,

No fogão a caçarola 
O apetite consola 
Já está pronto o pirão,

Antes da ceia uma prece
É o caiçara que agradece
A oferenda do pão,

Dá água na boca da gente
Mais água que rio corrente
Mais água que o imenso mar,

Faz gosto a recordação 
Das memórias dum fogão
Caiçara deste lugar,

Na manhã recém chegada
Café com banana assada 
Peixe frito com farinha,

Era assim até que um dia
Veio a tecnologia 
Levar o que gente tinha,

Mas no retrato da mente 
Vive a imagem transcendente
Dessa cultura nativa,

Parece que há ranchinho
E um fogão lá no cantinho
Em brasa vermelha viva!!!



https://youtu.be/DkMOWQ2vnoQ
(Fonte: https://mauriciocaragua.blogspot.com/2020/10/poesia-fogao-de-lenha-caicara.html)

quinta-feira, 7 de abril de 2022

OBSERVAÇÕES INGÊNUAS

 

Azulejões em Inhotim - Arquivo JRS

    Busquei uma sombra onde descansar e olhar o mar. Mais ao longe estão os homens que cultivam mariscos nas cordas das linhas de boias. Bem perto um rio fedorento se espalha entre plásticos e outros lixos no lagamar. Pensei no descaso das autoridades, sobretudo nos cortes de verbas para a educação e cultura. Qual sociedade se desenvolve com ignorância?


Essa ideia mal resolvida

Essa gente má

Mistura de milicianos

E fanáticos crentes

Cimentados com ignorância

E ruindades em geral.


É, este país vai mal!


segunda-feira, 4 de abril de 2022

A ÁGUIA DO MAR

     

Pescaria no Itaguá - Arquivo Postal


    Isaac, pescador de costeira, aceitara o convite para uma pescaria em alto mar. "Quando?" - eu quis saber. "Já faz um ano isso. Só que foi uma vez para nunca mais. A primeira e única!".  Logo eu deduzi que a experiência não tinha sido boa. "O que será que aconteceu?" - Pensei, mas nem precisei inquirir o amigo. Puxando um banquinho dali de perto me sentei, pois bem conheço o cidadão, no seu estilo que se assemelha ao Zé Roseno (aquele que, mesmo se dizendo com pressa, ainda proseava no mínimo uma hora antes de se despedir). Eis o relato que me deixou impressionado:


       "Nós fomos longe, Zé: uma hora mar afora depois da Ilhabela. Naquela ocasião é que eu soube ser ali rota de navio, desses monstruosos que aportam no porto de São Sebastião. Chegamos no local ao entardecer. Assim que a embarcação foi fundeada e começamos a pescar, o piloto 'desmaiou' porque vinha de uma semana corrida, fazendo viagens demais. A noite foi chegando; o escuro vinha com uma mensagem que se ouvia no rádio de bordo: 'Águia do mar saiam da rota do navio...Águia do mar saiam da rota do navio...Águia do mar saiam da rota do navio...' E a mensagem se repetia a pequenos intervalos. Quando eu fui repor isca no anzol, li no bote o nome do barco: Águia do Mar. Então me assustei. Aquela mensagem era para nós, Subi na casaria para enxergar mais longe, além das grandes marolas (comum em alto mar). Nossa! Lá se aproximava aquele mundão espalhando água para os lados. Gritei, corri para acordar o timoneiro. Quem disse que o homem acordava? Alguém, também desesperado, teve a ideia de encher um balde com água do mar e jogar nele. Só assim mesmo! Ao se inteirar do perigo, deu a partida enquanto eu suspendia a âncora ao menos alguns metros. E o motor poc, poc, poc, poc... foi nos tirando do caminho, mas os perigos nos perseguiam, as marolas gigantes nos alcançaram. Quando o navio passou, aí que veio a verdadeira onda, lavando totalmente o convés daquele barquinho, carregando tudo que havia por ali e lançando ao mar. Foi tudo fora. O meu patrão gritou ao piloto: 'Você tem dez minutos para chegar na praia das Cigarras senão nós o matamos aqui mesmo'. Ao chegar na praia, a proprietária do barco já estava lá. Certamente recebera notificação pela polícia marítima. Nós deixamos imediatamente o local, pois ela disse que primeiro precisava conversar com ele - o piloto - para depois ouvir a nossa versão. Eu não fiquei; fui imediatamente embora, ainda tremendo. O piloto deve ter sido demitido na hora. Não sei dizer se alguém da turma foi indenizado pelo prejuízo. Só sei que eu não recebi nada, saí perdendo".