quinta-feira, 10 de abril de 2025

PEIXES COM SEDE

    

Amanhecer - Arquivo Clóvis 

     Estávamos na escola. Descobri um espaço totalmente fechado, cheio de livros, como se quisessem esconder de todos, sepultá-los para sempre tal como eu fiz com a velha carcaça de um aparelho antigo. Desconfiei da diretora reacionária. Teríamos apenas duas aulas, depois seríamos dispensados. Alunos na aula de educação física brincavam de pular corda. Defronte a uma sala do corredor vi serragem formando imagens tal como a procissão de Corpus Christi. Admirei a iniciativa da turma daquela classe. Interessante que os passantes não destruíam a obra; a cena tava perfeita no piso do corredor.

  Num outro momento, eu e mais pessoas estávamos num canto de praia. Mingo falou: “Lá vem Desireé, se transferiu pelo Banco do Brasil, veio de São Bento.” Ela passou por nós, apenas cumprimentou e se foi empurrando a bicicleta. Marli estava ao meu lado, não disse nada, mas procurava se segurar em mim. Elogiei o carro que ela tinha. Parece que se arrependeu de vendê-lo. Vera diz que não gostava mais da costeira da Enseada porque lhe mudaram o nome antigo. (Eu nem sabia que tinha outro nome aquela costeira. Porém, a Vera nasceu lá, né?!). Era o entardecer, a noite vinha chegando. Mingo falou de uma sorveteria ali perto. “Eu pago.” Marli estava quieta, era muito religiosa, uma beata, disse que iria na igreja se confessar porque teve um desejo, cometeu um pecado. Eu, junto dela, apenas falei que era bobagem, não tinha nada demais. “Você não prejudicou ninguém,  menina. Deixa disso.” A sorveteria era num precário rancho, mas os produtos pareciam maravilhosos. Pedimos os sorvetes. Mais gente chegou, mas a atendente continuava dando toda atenção ao nosso grupo. Pensei algum tempo depois: “É assim mesmo a nossa vida. Tem uma fase que poucas coisas nos preocupam porque somos jovens, andamos com poucos compromissos, sem pensar muito além de cada momento que vamos vivendo. O que importa são as amizades, tudo de bom que vivemos juntos”. Assim era a nossa vida, sem nenhum aparelho que tomasse o nosso tempo, nos deixasse isolado dos outros. Mais importante era a convivência, a alegria de estar em grupo. Queríamos viver; éramos peixes com sede.

 

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