sexta-feira, 25 de abril de 2025

PACIÊNCIA NÃO BASTA!

 

Arte do Gallo em Caraguatatuba - Arquivo JRS 

     “Firmino sabia que precisava ter paciência com aquelas obras da prefeitura, que prometia uma cidade limpa e arrumada”. Desde criança somos acostumados a escutar que precisamos ter paciência quando os poderes públicos (municipal, estadual ou federal) - sustentados pelos trabalhadores ! - parecem estar inertes, fazendo coisas que nem parecem importantes ou até mesmo prejudicando quem já é tão prejudicado no dia a dia. Muitos desabafam nos comentários quase sempre descomprometidos, outros procuram um jeito de se encaixar no esquema de mamatas que recheiam os espaços dos poderes públicos. A maioria apenas sofre  as consequências dos descasos, dos abusos que fazem com a sua contribuição (impostos, tributos etc.). Firmino se perguntava: “Fazer o quê?”.

      Em qualquer terreno que está sem uma vizinhança atenta vemos lixo, entulhos, móveis velhos etc. deixados na maior tranquilidade, enfeiando e atraindo animais indesejáveis. Não tem uma secretaria municipal para ver isto? Carros velhos são abandonados rente das calçadas, impedindo até a varrição. Cadê o pessoal que cuida do trânsito em nossa cidade? A  guarda municipal não pode intervir (notificar, multar, guinchar...)? Na entrada de um conjunto residencial na beira da rodovia, no bairro onde passo pedalando sempre, no lugar que era tudo gramado por ocasião da inauguração, agora tem ferro velho se acumulando, dando um mostra muito negativa do urbanismo em nossa cidade. São alguns exemplos, mas muitos outros não faltam.

     No mês passado, minha mana desabafou: “Fui no posto de saúde, tomei vacinas contra a gripe e covid. Sabe que eu fui atendida por funcionárias terceirizadas? Por quê não chamam o pessoal que passou no concurso? É injusto isto!”.  Eu respondi: “Parece que não desejam arrumar a cidade como deve ser arrumada, né? Como vimos em outras épocas, dá-se um jeito para contemplar uns poucos em detrimento de outros. Pior é isso que deixa trabalhadores mais fragilizados, se submetendo às tramoias da terceirização. Quem pode ajudar a arrumar, de fato, são os vereadores, a promotoria pública, a sociedade civil organizada, a gente exercendo a cidadania, desejando uma gestão eficiente e humanizada em todos os aspectos”.

 

domingo, 20 de abril de 2025

LUZ FRACA, DE LAMPIÃO

 

 

Arte: Gildásio Jardim

     É comum escutar absurdos sempre, sobretudo neste tempo de mentira alçada à categoria de virtude, a elogiar gente desonesta que quer o pior mundo aos pobres. No universo caiçara não é diferente. Quem nunca ouviu besteiras e até mesmo falas odiosas contra negros, indígenas, nordestinos etc.?

     Estou lendo uma biografia de Lampião, cujo autor (Frederico Pernambucano de Mello) esclarece um monte de pontos e coloca questões nem sempre tão perceptíveis assim. Por exemplo: “a geografia do cangaço se esmerava em decalcar as linhas secas da geografia da fome na região, oriundas de razões naturais e sociais conhecidas de longa data”. Era realidade há cem anos. E não é assim ainda hoje? Não são essas as principais condições que continuam impulsionando as migrações na atualidade?

    No caso dos migrantes nordestinos, depois da Depressão de 1929 a 1934, “se aproveitava o governo paulista para custear a emigração sistemática de sertanejos para os campos de café e açúcar”. Ou seja, o grande estado produtor do Sudeste se elevou ainda mais graças à mão de obra de quem? Só que hoje, haja vista as besteiras que estamos sujeitos a ouvir de “gente de bem”, prevalece um tom de queixa, de repúdio aos descendentes desses que, para São Paulo e outros estados mais ao sul vieram, foram buscados. Essa gente preconceituosa e maldosa, quase sempre a reproduzir narrativas de uma elite que se fez às custas da exploração de concidadãos historicamente injustiçados, arrota “ares de nação invadida pela pobreza indesejável”. A maioria não sabe ou não quer admitir que tal realidade mais endinheirada é decorrente de uma eficiente estrutura montada para aliciamento de braços produtivos de outras regiões e até mesmo de terras mais distantes. Imagine, então, as narrativas contra nordestinos e/ou descendentes que amealharam riquezas no Sudeste e Sul! E o que dizer se um sobrevivente dessa geografia da fome e das desigualdades sociais chegar a presidência do Brasil?

      Entrei neste assunto porque cansei de escutar migrantes e descendentes de mineiros, de paraibanos etc., vizinhos meus, se aproveitando da miséria alheia, mas falando mal dos pobres do nosso lugar, quase sempre pessoas vindas dos mesmos lugares que eles para tentar vida melhor em Ubatuba. Quem lucra mais com essa ideologia discriminatória, de racismo, predisposta a se aproveitar dos outros e a não ter nenhum respeito pela natureza que nos circunda e é a nossa maior riqueza?

 

quinta-feira, 17 de abril de 2025

UMA MENTIRINHA

     

Noite de luar - Arquivo JRS 

    Um senhor estava no ponto do ônibus com uma menina. Eu  os  reconheci,  mas  eles não  me  viram porque a baixinha chorava e esbravejava muito com o avô, sem educação, lhe gastando a paciência. 

     O avô, seo Luiz, há anos perdera a esposa, dona Tereza. Essa neta estava com eles desde que nasceu. Continuei andando e pensando num jeito de ajudá-lo a resolver aquela situação com a neta.    

               Avistei o Jota, um desconhecido deles. Lhe propus o seguinte: “Chega naqueles dois que estão dando aquele show na esquina da parada de ônibus e diz assim: uma mulher chamada dona Tereza me apareceu no sonho na noite passada e disse para eu repassar um recado para um senhor que estará discutindo com a neta. Acho que a mensagem era para este momento, para vocês. Posso dizer agora? A mulher do sonho, a tal Tereza que eu nunca vi, disse que não está  tendo paz porque vocês dois tem brigado demais. E isso não pode continuar  entre avô e neta. É um inferno isso”. O Jota topou; fiquei de longe assistindo. Não é que deu certo?

    Tempos depois eu encontrei o seo Luiz e o convidei para tomar um refrigerante na barraca do Tião. Foi quando ele contou do ocorrido: “A minha finada esposa me mandou uma mensagem, por meio de um rapaz muito educado, de onde ela está. Disse que é para a minha neta não ficar brigando comigo e ter mais paciência comigo e com outras pessoas, sobretudo da família. Sabe que depois as coisas melhoraram muito? Foi Deus quem permitiu a ela se comunicar com a gente. Aleluia! Eu só não sei porque ela não falou diretamente comigo e com a neta”. Eu, todo atencioso, concordei. Fiquei contente pelo resultado. Uma mentirinha ajudou aquela família, né? O ruim é que agora ele vai seguir espalhando esse “contato” do mundo dos mortos com o mundo dos vivos, esse privilégio que ele teve. E tem mundo dos mortos?

 

sábado, 12 de abril de 2025

ÁRVORES E PESCADORES

Aroeira cortada- Arquivo internet


 A aroeira do Alfredo Vieira e do papai”.

Assim dona Clície me falou.

Edson, do Antônio   Atanázio, depois confirmou:

“Era jundu tudo aquilo; um deles a  plantou”.

 

Ali era o caminho deles.

“Nunca é demais uma sombra!”.

“E, de ver passarinho, quem nunca gostou?”

Pois é, obedecendo ordem alguém a cortou.

 

Sob pretexto de doença?

Desculpa de urbanismo?

Um poder econômico o corte solicitou?

Foi a propaganda quem ganhou?

 

A aroeira dos frutos, dos banhos nas redes...

“Quem vê o anúncio com ela ali?”.

A aroeira do velho Vieira e do Fifo (João Serpa) alguém cortou:

Outra etapa da “boiada” que passou.

 

“Nem só de ingênuos e reacionários vive a cidade”.

Do alto da serra não se enxerga,

Mas bons frutos aqui vingou:

Minha gente de outra geração uma muda nova plantou.

 

Ações irracionais...volta da barbárie...

“A aroeira do Alfredo Vieira e do papai”...

“Estão plantando outra”, alguém comentou.

“Acertem as canoas porque a maré mudou”.

 

 

quinta-feira, 10 de abril de 2025

PEIXES COM SEDE

    

Amanhecer - Arquivo Clóvis 

     Estávamos na escola. Descobri um espaço totalmente fechado, cheio de livros, como se quisessem esconder de todos, sepultá-los para sempre tal como eu fiz com a velha carcaça de um aparelho antigo. Desconfiei da diretora reacionária. Teríamos apenas duas aulas, depois seríamos dispensados. Alunos na aula de educação física brincavam de pular corda. Defronte a uma sala do corredor vi serragem formando imagens tal como a procissão de Corpus Christi. Admirei a iniciativa da turma daquela classe. Interessante que os passantes não destruíam a obra; a cena tava perfeita no piso do corredor.

  Num outro momento, eu e mais pessoas estávamos num canto de praia. Mingo falou: “Lá vem Desireé, se transferiu pelo Banco do Brasil, veio de São Bento.” Ela passou por nós, apenas cumprimentou e se foi empurrando a bicicleta. Marli estava ao meu lado, não disse nada, mas procurava se segurar em mim. Elogiei o carro que ela tinha. Parece que se arrependeu de vendê-lo. Vera diz que não gostava mais da costeira da Enseada porque lhe mudaram o nome antigo. (Eu nem sabia que tinha outro nome aquela costeira. Porém, a Vera nasceu lá, né?!). Era o entardecer, a noite vinha chegando. Mingo falou de uma sorveteria ali perto. “Eu pago.” Marli estava quieta, era muito religiosa, uma beata, disse que iria na igreja se confessar porque teve um desejo, cometeu um pecado. Eu, junto dela, apenas falei que era bobagem, não tinha nada demais. “Você não prejudicou ninguém,  menina. Deixa disso.” A sorveteria era num precário rancho, mas os produtos pareciam maravilhosos. Pedimos os sorvetes. Mais gente chegou, mas a atendente continuava dando toda atenção ao nosso grupo. Pensei algum tempo depois: “É assim mesmo a nossa vida. Tem uma fase que poucas coisas nos preocupam porque somos jovens, andamos com poucos compromissos, sem pensar muito além de cada momento que vamos vivendo. O que importa são as amizades, tudo de bom que vivemos juntos”. Assim era a nossa vida, sem nenhum aparelho que tomasse o nosso tempo, nos deixasse isolado dos outros. Mais importante era a convivência, a alegria de estar em grupo. Queríamos viver; éramos peixes com sede.

 

segunda-feira, 7 de abril de 2025

ADEUS, CAMILA

    

Uma rosa foi cortada - Arquivo JRS 

   Eu me detenho e tiro minhas conclusões após ler determinados comentários, sobretudo femininos, no dia da morte horrível da minha estimada Camila, colega de profissão que tão arduamente conseguiu se formar e trabalhar junto comigo, no bairro das nossas habitações, onde ela nasceu.

    Algumas mulheres são favoráveis aos projetos da extrema direita, estão defendendo projetos de uma sociedade patriarcal pronta para violentar, matar as mulheres e outras minorias sociais tão fragilizadas.  

     Essas mulheres também querem o fim da lei Maria da Penha, admitem que ter uma filha é uma “fraquejada”, estão de acordo que homossexuais devem ser perseguidos, que os povos indígenas não merecem terras, que os dependentes químicos precisam ser castrados, mortos etc. 

   São essas mulheres que concordam que os negros são inferiores e sempre suspeitos em qualquer lugar.  

    Essas mulheres, algumas mães desde já, torcem pelo fim dos direitos trabalhistas conquistados pelos trabalhadores organizados em sindicatos ao longo de séculos. 

     É isto mesmo que estou entendendo mediante alguns comentários de mulheres que parecem não se importar com mais uma companheira barbaramente morta, querendo passar pano para a extrema direita, votando em gente que tem esses pontos programáticos e são contra os Direitos Humanos? Mulheres com essa mentalidade direcionarão crianças em qual direção, a qual modelo de sociedade?

   Se sou o que sou, devo muito às mulheres que fizeram parte da minha vida, que estão ao meu lado sempre (a minha irmã, a minha filha e a minha esposa querida). Camila fez parte da minha existência, labutamos juntos em salas de aulas, planejamos atividades, discutimos problemas da escola etc. Meus sentimentos aos familiares dela. Forte abraço. Basta de violência!

domingo, 6 de abril de 2025

A CASA

 

Uma casa na cidade - Arquivo JRS 

   Me detive na praça 13 de maio com imagens de Ubatuba de outro tempo. A primeira delas foi quando o estimado professor Osmildo, que  aguardava no final da linha dos ônibus, nos levou até o seu apartamento, no edifício Andorinhas. Era meados da década de 1970. Lá conhecemos sua reduzida família, tomamos café. Depois ele nos conduziu ao ginásio “Deolindo” e fez nossas matrículas para a quinta série. Éramos dez crianças; morávamos, a maioria, no Perequê-mirim. Nos deslocamos apreensivos os dez quilômetros que distava a nossa escola primária do centro da cidade. Fomos em ônibus circular, sem a companhia de nenhum adulto.  O professor nos matriculou naquela enorme escola, fez a vez dos nossos pais. Ele sabia que só assim era certeza que continuaríamos os estudos.

   A segunda imagem era da casa da Maricarmen. Simples, bonita, com uma oficina onde seu pai exercia o ofício de serralheiro. Seo Zé Marroquino (Guadix) foi o primeiro profissional que eu conheci nesse ramo. Eu achava lindo os portões aparecendo depois de ferros serrados e soldados. Creio que o mais importante trabalho dele foram os lustres que fez para a igreja matriz, sob encomenda pelo frei Angélico, em 1982. Também deste ano é o altar em formato de barco, obra do mestre Jacó Meira.

   Numa noite dessa eu sonhei com aquela casa, só que parte dela estava em ruínas, contrastando com as do entorno da atualidade. Até pensei que ninguém morava ali devido ao estado precário da fachada, mas logo avistei a mãe da minha colega de ginásio. Vi que só ela habitava a casa. Parei para prestar atenção e notei que a oficina ainda existia na lateral. Foi quando eu avistei duas pessoas, guerreiros portando espadas, querendo invadir o espaço. O que fiz? Me coloquei do lado de dentro, no espaço da oficina, e passei a defender o local. Depois que acordei me pus a pensar: Por onde andam a filhas daquele casal tão tranquilo que nos viam sempre circulando por ali, brincando na praça (toda plana naquele tempo!) enquanto esperávamos ônibus? Por que eu defendi a casa dos ataques? Qual a mensagem do sonho?

   Casas antigas e casas velhas, abandonadas, chamam a minha atenção sempre. Diante da casa da imagem postada acima, na cidade de Guaratinguetá,  notei as janelas fechadas por blocos. Imaginei ali moças debruçadas, olhando a movimentação no entorno. Do lado oposto havia um pintor a retratá-las sob o   título:  As moças na janela. Talvez ali morasse umas das Cinco moças de Guaratinguetá,  obra de Di Cavalcanti pintada em 1930.

sábado, 5 de abril de 2025

PIRÃO DAS LETRAS

 

Imagem piraodasletras

     Eu acredito que é o pensamento que caracteriza  a alma. É conhecendo que a alma se forma, cuida de si, se alimenta. Logo, devemos estar numa eterna busca do conhecimento. E onde buscamos o conhecimento?

     Sem dúvida alguma que a arte é o veio principal de fruição do conhecimento. Arte é cada utensílio que a humanidade criou, cada maneira de expressar nossos sentimentos, cada forma de aproveitar os recursos que permeiam a nossa existência... Arte é a forma de arranjar as palavras querendo criar outros mundos, mostrar que eles são possíveis, tal como quem cozinha ao juntar ingredientes diversos numa panela para depois resultar num alimento que nos sustenta. Creio que o Pirão das Letras tem esta finalidade dentre outras: sustentar nossas almas.

     Pirão, prato tão típico da cultura caiçara, é uma composição de peixe, água, ervas, banana verde e farinha de mandioca, podendo incrementar com mais coisas. Também tem pirão de caças, de aves etc. Pirão, desde os primórdios, era a base alimentar do povo que subia e descia morros com cargas do roçado, que remava e puxava rede no lagamar; que labutava nos afazeres domésticos e festejava em qualquer oportunidade, que dançava gritando alegremente “Amanheeeeeeeece!”. Pirão sempre foi a "sustânça" do meu povo!

    Então... estou feliz por captar a intenção do Pirão das Letras como um veio artístico de resgate, de preservação e de oportunização de outros olhares sobre nossas heranças culturais (referências sobre quem somos e o mundo que queremos, ou seja, a nossa alma que se faz pelo conhecimento que herdamos, construimos e repassamos).

    É isto: Pirão da Letras é uma iniciativa louvável de celebração da literatura, da arte literária, sobretudo daquela produzida em Ubatuba, da celebração da alma da cidade! O primeiro evento deve acontecer entre 12 e 14 de junho, na praça Anchieta (defronte ao Casarão, na boca da barra do rio Grande). Venha se informar e participar!