sábado, 23 de novembro de 2024

ANTES DO AMANHECER

    

Parabéns,  amigo!

   A minha companheira dorme, mas os passarinhos estão alegres porque a claridade desponta. Agora eu leio um poema do mano Mingo para depois preparar o café nosso de cada dia. 

      Acordei pensando no estimado Jorge Ivam, aquele menino de Iaçu que foi para a capital paulista e hoje é ubatubense. Ele segue ensinando e aprendendo, gerando muitas e belas coisas, escrevendo textos prazerosos, revelando outras referências capazes de impulsionar novas atitudes. Hoje é dia de lançamento  de mais um livro. Eu e minha família só temos a agradecer pela amizade com a maravilhosa família que Jorge e Joana geraram. Somos gratos por sua alma inquieta a nos contagiar pela busca da verdade. Seus textos são mais janelas que se abrem para o mundo que acorda após um período de escuridão. Jorge é um companheiro que acende luz, tal como o mano Mingo lembrou. 

    A minha bela ainda dorme merecidamente.   

    Ao Jorge o nosso forte abraço e...parabéns!


Ainda está escuro,

Mas a estrela d'Dalva já apareceu

E sei que o Sol vai nascer,

A claridade vai se espalhar

E todas as intenções vão se revelar.

Há aqueles que abraçam

E outros que afastam-se;

Tem gente coerente cem por cento

E outros só palavras ao vento;

Tem quem acende a luz, viu bela,

E outros que sopram a vela.




terça-feira, 19 de novembro de 2024

EMPÉDOCLES

 

Arco-íris  -  Arquivo JRS 

       Um nome diferente, de um lugar que talvez eu nunca vá conhecer (Agrigento, uma região da Grécia Antiga). Empédocles era filósofo, médico e dono de outros talentos mais. Em suas reflexões sobre a origem de tudo, ele disse que as substâncias (água, ar, terra e fogo) estão no princípio de tudo, raiz de todas as coisas. Portanto, vida e morte - de tudo! - são mistura e dissolução desses elementos. Eles se unem ou se separam mediante as forças cósmicas do Amor ou Amizade (philia) ou do Ódio ou Discórdia (neîkos). Isso foi defendido há 2500 anos. Se aplica ainda hoje? Sim! As provas estão aí, seja na política, seja na realidade econômica, religiosa etc. Tudo decorre de querer unir ou promover a separação. Tem gente se matando, tem gente matando os outros, matando o planeta...Tem gente se amando, fazendo recuperação de vidas, se constituindo como força capaz de vencer o ódio.

       Dias desses, escutando uma música italiana, me deparei com uma frase muito significativa que dizia “não existe bomba pacifista”. Mas eu cansei de escutar gente dizendo que “precisa ter armas para se defender, garantir a paz”! Por outro lado, li isto no avental do padre Júlio Lancellotti enquanto ele distribuía pães aos pobres nas ruas de São Paulo: “Não ferir quem te feriu”. Dessas mentalidades brotam mortes e vidas não é mesmo?

     É certo que estamos numa eterna relação entre philia e neîkos. Quem nega isto? Resta escolher, ter clareza entre querer unir ou separar, amar ou odiar. Disto nascerá a justiça ou a injustiça, a correção ou a impunidade, a paz ou a guerra. Estava certo o velho Empédocles: são as forças cósmicas que podem resultar em vida ou morte de tudo. O arsenal bélico mundial está a serviço dessas escolhas, das opções por philia ou neîkos. “Não existe bomba pacifista”! Somos nós que reverberamos essas forças mediante nossas escolhas, nossas palavras, nossas reflexões, nossas ações. Somos nós que elegemos nossos representantes para conectar a coletividade a essa ou aquela força!

 

sábado, 16 de novembro de 2024

TÃO CORADA!

    

 Natal tá aí  - Arte da Gal

   Dias  atrás recebi  mensagem da Karen, amiga da nossa querida Joseana. Saudades permanecem conosco, fazem recordar de alegres momentos, caminhos percorridos e de mais pessoas que tanto quero estimar pelo resto da vida. É o carinho da Jô que continua a enlaçar pessoas, né?

 

Eu estava no alto,

Nas grimpas no dizer caiçara.

Vindo de lá, do canto da praia,

Avistei a filha do Chico Curruíra,

Para nós apenas Curruíra Velho.

Ficou moça bonita,

Corada - uma maçã!

 

Era começo; agora é tarde.

Casou, descasou...

Vida sofrida; segue caminho.

Não é mais tão bonita.

Continua corada - uma maçã!

domingo, 10 de novembro de 2024

TUDO ISSO É NOSSO

 

Puxada de rede - Perequê-mirim - 1945 (Foto Schmidt)


      Estou num sonho. Numa grande sala um especialista explanava acerca de energia solar; recorrendo a recursos tecnológicos avançados mostrava, de forma virtual, a implantação de uma grande área de placas sobre o mar próximo do Saco da Ribeira, na enseada  de dentro da Ilha Anchieta. Eu acompanhava estupefato como foi sendo traçado sobre a água a planta dos painéis.  Segundo o especialista, ela era “modesta diante de tantas que estão espalhadas mundo afora”. Na sequência chegaram Dani Yoko e Jorge Ivam, colegas professores, para se deslumbrarem comigo. Na verdade, o meu estimado amigo, quando mais jovem, já havia participado de um encontro no assunto. “Foi com este mesmo especialista”. Por isso ele – Jorge – tinha algumas imagens de satélite sob autoria da Procuradoria do Saco da Ribeira. Foi nelas que eu pude ver esses projetos pelo planeta, nos mais distantes países. Alguns eram enormes, abrangiam imensas áreas marítimas, outros eram mais modestos, mas todos seguiam o mesmo esquema, as mesmas tecnologias que se planejava para o nosso mar onde tantas vezes pesquei com meu pai, meus avós e tantos amigos. “Impressionante os avanços da inteligência humana! É, a necessidade é a mãe da criatividade!”. Acordei depois desta exclamação.

     Agora reflito diante da realidade: pensa-se em tudo levando em conta o desenvolvimento das tecnologias. Só que é uma mínima parcela da população que aproveita o máximo desses investimentos. “Tudo isso é nosso, serve aos nossos planos”. São projetos visando deixar os ricos ainda mais ricos. Os pescadores e suas famílias não entram nos planejamentos a não ser para serem apenas servidores, viverem de míseros salários. Aos poucos não terão espaços para as suas canoas e seus apetrechos de pesca; irão morar distante do mar, por morros acima. Na verdade, se aproveitam deles! Onde estão as famílias tradicionais do Saco da Ribeira? Onde estão os riachos do Saco da Ribeira? Onde está a praia do Saco da Ribeira?

Em tempo: por 10 anos eu e minha família moramos no Perequê-mirim, praia vizinha do Saco da Ribeira. 

segunda-feira, 4 de novembro de 2024

TOBIAS DE JESUS

 

Tobias, de costeletas - Arquivo Ubatuba


     “Faz pouco tempo que avistei o Tobias vindo para cá, ainda no caminho, perto do mercado São Geraldo. Ele não passou ainda?”. Hoje o Tobias já não está entre nós. Pensei muito na querida Joseana e também nele no último Finados. A frase inicial se deu na casa da tia Tereza, quando mais gente o esperava para uma conversa sobre problemas do bairro (Estufa). Tobias era vereador na época, começo dos anos 80.

   Tobias de Jesus, gente da gente por parte do pai. “É gente da praia do Pulso, descendente do fazendeiro Francisco Alves Granadeiro, casado com dona Maria Gertrudes. Toda a Caçandoca e vizinhança estava no nome dele, diziam os antigos”, me garantiu um dia o Velho Gabriel, morador da morro da Raposa. “Ele passou por aqui com mais gente, tive o prazer de conhecer. Foi eleito vereador. Acredito que fará um bom trabalho, será honesto e ajudará os pobres”. Estava certo o Velho Gabriel. Anos depois fui encontrá-lo para uma visita-entrevista em Vicente de Carvalho, na Baixada Santista. Bem velhinho, mas consciente de tudo, especialmente da violência sofrida em terras da Caçandoca, ele se lembrou de perguntar pelo Tobias, saber se estava bem, se continuava na política etc.

    Tobias, considerado primo por meu pai, foi alguém atento às necessidades do bairro, das pessoas mais necessitadas. Ele estava inserido na comunidade, sempre atuando nos mutirões. Me recordo bem dele carregando latas de massa, madeiras etc. durante a construção da igreja católica (São Benedito) da Estufa. Em outra ocasião, colaborou bastante com o Centro de Artesanato fomentado pelo prefeito Pedro Paulo. Ali, na Cadeia Velha (atual museu), se encontrava produtos feito pela caiçarada daquele tempo. Os produtos Vinham do Cambury, do Sertão da Quina, do Itaguá etc. Foi a primeira vez que ocorreu algo assim, tão abrangente e incentivador dos talentos do nosso povo. Palavras da prima Nini na época: “Que bom, né? Seus abençoe esse homem! Assim, com as coisas que a gente sabe fazer, conseguimos algum dinheiro para aliviar as despesas”.

   Quem conheceu o Tobias não haverá de esquecer da voz dele que se destacava em qualquer cantoria. É ele que está na raiz desses artistas (Ostinho, Cidinha, Jussara...e companhia!), seus descendentes repletos de talentos e criatividades. É essa gente nova que “não vai deixar cair a peteca”, que vai tocar em frente os desafios que aí estão no território caiçara.


sexta-feira, 1 de novembro de 2024

VONTADE DE CONTAR

 

Rosas no terreiro - Arquivo JRS 


   Lendo uma mensagem do cantor Milton Nascimento, no encarte do disco Anima, me emocionei: “Este disco traz aquilo tudo que acredito. Todas as coisas que gosto. Essa vontade de acreditar, apesar de tudo que acontece no mundo, contrário a essa esperança. A vontade muito grande de cantar, de dizer as coisas para as pessoas, de falar coisas que a gente ouviu, o que a gente aprendeu e que a gente segue vivendo apesar de tudo [...] Anima vem do latim e significa: sopro, aragem, brisa, vento, ar, exalação, cheiro, aroma, dá vida, alento, vida, existência. Significa alma”.

    Por que me emocionei? Porque hoje, agora, enquanto estou escutando a cantoria de passarinhos, alguém está entrando numa sala de aula deste país num desafio: continuar levando a esperança que herdamos de tanta gente que por nossas vidas passaram.

     Qual esperança? Somente a educação pode mudar o mundo para melhor! Que ela seja libertadora!

    O que a gente ouviu e aprendeu nos trouxe até aqui. Eu apenas continuo contando minhas histórias porque creio nas muitas educadoras e educadores que estiveram, estão na pista ou virão por este caminho, nesta mesma esperança. Eu, a cada amanhecer, estou ciente e firmando posição contra os sinais de desesperança tão assustadores. Eu, a cada momento, estou torcendo pelo sucesso da companheirada na empreitada educativa nossa, deste nosso povo, desejando força sempre e se segurando nesta bandeira. É a nossa alma que está em comunhão neste momento, em mais um passo depois de outro, de outro, de outro... almejando a grande utopia que ilumina o horizonte do alvorecer. Vai, filho! Vai, filha! Seguimos juntos, minha Gal! É o amor que nos sustenta! Amanhã será um novo dia juntamente com os sonhos e lutas de ontem e de hoje!

 

Entre as plantações havia água.

Valas, corguinhos...

Reguinhos repletos de vidas:

Garu-garu, camarão, bagre...

Mussum, mãe d’àgua...

Saracura festando o entardecer.

Tudo água limpa, cheia de vidas,

Digna de crença, novidade alguma de quem contou:

“Era só se agachar e se saciar ali mesmo”.

Era assim mesmo!

Sem cercas além dos bastoeiros

(Cheirosos, prediletos de cobras),

Quase sem limites à criançada.

Tudo era espaço de arte,

Lugares de reinações;

Descobrindo mundos

Mesmo no esconde-esconde.

Aonde foi tudo isso? Aonde?