Em 1563, os padres Anchieta e
Nóbrega, após uma estadia confabulando com os senhores de engenhos (líderes
políticos do Brasil colonial) na Baixada Santista, partiram numa comitiva, sob
o patrocínio de José Adorno, um desses líderes, para negociar a paz com os
índios confederados (Confederação dos Tamoios).
A
aldeia de Yperoig que, segundo especialistas, significa “água de tubarões”,
localizada onde é a atual cidade de Ubatuba, foi escolhida como território de
negociação devido a presença de um cacique por nome de Koakira, considerado
amistoso pelos jesuítas.
O
velho Catarino dizia:
“Neste
chão de Ubatuba, logo ali onde era a lagoa (que deu o nome da Barra da Lagoa),
era onde os índios tinham as suas ocas. Suas canoas subiam pelo rio e logo
ganhavam a lagoa. Yperoig foi escolhido pelos padres e por quem mandava porque
era um lugar estratégico, de onde partiam as frotas de canoas e as tropas a pé
a partir do Caminho das Antas, onde hoje se conhece como Cachoeira dos Macacos.
Desse lugar saía um mundaréu de gente brava que aterrorizava os portugueses!”.
Depois de uma tomada de fôlego, Catarino retomava a prosa-aula:
“Entre
os líderes confederados, os ânimos variavam: uns lutariam até a morte; outros
já estavam cansados. Por isso que a presença dos padres e a disposição de
Anchieta em ficar como refém deu-lhes uma esperança. O padre até que gostou da
ideia! Afinal, era só ele entre a indialhada pelada, não é mesmo?”. Todos riam
do humor do contador de causos.
Com
a desculpa de que as exigências dos índios tinham de ser decididas pelos
patrões, uma comitiva se dirigiu à Baixada Santista. Enquanto isso, para
sufocar os desejos da carne, entreter as mãos e os olhos, Anchieta foi
escrevendo e memorizando poemas nas areias da praia. (Depois de séculos, há
muitos anos passados, vi a dona Idalina Graça fazendo o mesmo na praia do
Itaguá, bem perto do rancho do Florindo. Segundo ela, eram ensaios para um
livro que estava escrevendo).
Os
pontos defendidos pelos confederados não pareciam conter algo tão
extraordinário. Queriam a libertação dos prisioneiros que se encontravam no
trabalho forçado dos engenhos, o fim da prática de escravização, a entrega dos
chefes traidores e que deixassem os Tamoios viver em paz, como verdadeiros
donos da terra.
O acordo de paz, considerado o primeiro do continente americano,
foi selado em Yperoig, futura cidade de Ubatuba, em 14 de setembro de 1563,
dia da Exaltação da Santa Cruz.
Aylton Quintiliano, na obra A
guerra dos Tamoios, diz que “a partir de Iperoig, e por muitos meses, houve
um período de relativa calma. Aimberê, o bravo cacique de Uruçumirim, auxiliado
pelo francês Ernesto, que se tornara um deles ao casar-se com Potira, retornou
ao seu grupo, onde hoje é a cidade do Rio de Janeiro. Havia esperança de volta
aos bons tempos da produção, das expedições de caça e pesca”.
Em
sua Carta ao Colégio de Coimbra, o padre Manuel da Nóbrega diz: “De tudo o que
mais me alegra o espírito é ver por experiência o fruto que se faz nos escravos
[índios] dos cristãos, os quais com grande descuido dos seus senhores, viviam
gentilicamente em graves pecados. Agora, ouvem missas cada domingo e festa e
têm doutrina e pregação na sua língua às tardes”.
Vou
concluindo com a fala do velho Catarino
que nos ensinou num dia distante, no jundu, no barranco da Barra da Lagoa, em
frente da pobre, mas honrada casa do velho Dito Camburi:
“Depois
de um ano daquele acordo, quando receberam tropas de Lisboa, sentindo falta de
mais índios para o trabalho escravo, a portuguesada acaba com tudo a partir da
traição de Yperoig”.
É
por isso que eu não duvido que as coisas aconteceram aproximadamente do jeito
descrito na Guerra dos Tamoios:
“Ao
chegar em Iperoig, para verificar a produção de algodão, Ernesto deparou-se com
um quadro que lhe fez correr lágrimas
nos olhos: todas as ocas haviam sido queimadas, vários nativos mortos em meio
aos escombros ou pela praia. Alguns poucos que escaparam à fúria sanguinolenta dos
brancos, contaram a ele que os portugueses haviam levado centenas de
prisioneiros para São Vicente. O velho cacique Coaquira lutara como um bravo e
foi um dos primeiros a morrer”.
Agora,
você decide:
a)
Comemora a Exaltação da Santa Cruz porque os Tamoios foram dizimados; ou...
b)
Comemora a data como Traição de Yperoig porque a paz tão exaltada nunca houve.
É sabido que os portugueses, sendo católicos, muitas vezes faziam coincidir eventos, acontecimentos importantes com o calendário cristão, com as datas mais convenientes. Assim, a exaltação da santa cruz resultou na "paz de Yperoig", para estar nos desejos divinos.
ResponderExcluirTraição. A história para ser História de fato, tem que ser reescrita.
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