Capa do folheto 500 anos (Arquivo JRS) |
Neste dia, 1ºde maio, além de celebrarmos
todas as lutas e conquistas da classe trabalhadora, comemoramos o nascimento
oficial do Brasil. Ou seja, foi nesta data, em 1500, que Pero Vaz de Caminha
escreveu ao rei de Portugal (D. Manuel I) a respeito do achamento desta terra e
de suas características. Por isso, selecionei algumas passagens desse
documento, reforçando que nós, caiçaras, estamos desde então presentes e numa
constante re-construção neste chão.
Senhor:
Posto
que o Capitão-mor desta vossa frota, e assim os outros capitães escrevam a
Vossa Alteza a nova do achamento desta vossa terra nova, que ora nesta
navegação se achou, não deixarei também de dar disso minha conta a Vossa
Alteza, assim como eu melhor puder, ainda que para o bem contar e falar – o saiba
pior que todos fazer.
Tome
Vossa Alteza, porém, minha ignorância por boa vontade, e creia bem por certo
que, para aformosear nem afear, não porei aqui mais do que aquilo que vi e me
pareceu.
A
partida de Belém [porto de Lisboa], como Vossa Alteza sabe, foi segunda-feira,
9 de março [...] E assim seguimos nosso caminho, por este mar, de longo, até
que, terça-feira das Oitavas da Páscoa, que foram 21 dias de abril ... [...]
Primeiramente dum grande monte, mui alto e redondo; e doutras terras mais
baixas ao sul dele; e de terra chã, com grandes arvoredos: ao monte alto o
capitão pôs o nome – o MONTE PASCOAL e à terra – a TERRA DA VERA CRUZ.
Ao desembarcarem:
O Capitão-mor mandou em terra no batel a Nicolau Coelho [...] E tanto que ele
começou de ir para lá, acudiram pela praia homens, quando aos dois, quando aos
três, de maneira que, ao chegar o batel à boca do rio, já ali haviam dezoito ou
vinte homens. Eram pardos, todos nus,
sem coisa alguma que lhes cobrisse suas vergonhas. Nas mãos traziam arcos com
suas setas. Vinham todos rijos sobre o batel; e Nicolau Coelho lhes fez sinal
que pousassem os arcos. E eles os pousaram.
Descrição das pessoas que acharam
esta terra antes dos portugueses:
A
feição deles é serem pardos, maneira de avermelhados, de bons rostos e bons
narizes, bem-feitos. Andam nus, sem nenhuma cobertura. Nem estimam de cobrir ou
de mostrar suas vergonhas, e nisso têm tanta inocência como em mostrar o rosto.
Trazem os beiços furados e metidos neles seus ossos brancos e verdadeiros
[...]. São encaixados de tal sorte que não os molesta, nem os estorva no falar,
no comer ou no beber. Os cabelos deles são corredios. E andavam tosquiados, de
tosquia alta, mais que de sobrepente, de boa grandura e rapados até por cima
das orelhas. E um deles trazia por baixo da solapa, de fonte a fonte para
detrás, uma espécie de cabeleira de penas de ave amarelas, que seria do comprimento
de um coto, mui basta e mui cerrada, que lhe cobria o toutiço e as orelhas.
Querendo saber mais dos habitantes:
Mostraram-lhes
um papagaio pardo que o Capitão traz consigo; tomaram-no logo na mão e acenaram
para a terra, como quem diz que os havia ali. Mostraram lhe um carneiro: não
fizeram caso. Mostraram-lhes uma galinha, quase tiveram medo dela: não lhe
queriam pôr a mão; e depois a tomaram com que espantados.
Viu
um deles umas contas de rosário, brancas; acenou que lhas dessem, folgou muito
com elas, e lançou-as ao pescoço. Depois tirou-as e enrolou-as no braço e
acenava para a terra e de novo para as contas e para o colar do Capitão, como
que dizendo que daria ouro por aquilo.
Lógico que a carta
não poderia deixar de citar as mulheres! Se encantaram!
Ali
andavam entre eles três ou quatro moças, bem moças e bem gentis, com cabelos
muito pretos, compridos e pelas espáduas, e suas vergonhas tão altas, tão
cerradinhas e tão limpas das cabeleiras que, de as muito bem olharmos, não tínhamos
nenhuma vergonha. [...] E uma daquelas moças era toda tingida, de baixo a cima
daquela tintura; e certo era tão bem-feita e tão redonda, e sua vergonha (que
ela não tinha) tão graciosa, que muitas mulheres da nossa terra, vendo-lhes
tais feições, fizera vergonha, por não terem a sua como ela.
Era preciso rezar diante disso tudo:
Ao
domingo de Pascoela pela manhã, determinou o Capitão de ouvir a missa e
pregação naquele ilhéu. [...] E ali com todos nós outros fez dizer a missa, a
qual foi dita pelo padre frei Henrique [...] e ouvida por todos com muito
prazer e devoção.
Seguiriam para as Índias,
mas deixariam dois degredados [excluídos da sociedade portuguesa] para obterem
mais informações na convivência por tempo indeterminado:
Muito melhor
informação da terra dariam dois homens destes degredados que aqui deixassem.
Mas todo mundo
queria se deslumbrar um pouco mais antes de prosseguir a viagem:
Alguns
dos nossos passaram logo o rio, e meteram-se entre eles. Alguns aguardavam;
outros afastavam-se. Era, porém, a coisa de maneira que todos andavam
misturados. Eles ofereciam desses arcos com suas setas por sombreiros e
carapuças de linho ou por qualquer coisa que lhe davam.
Outros detalhes da terra:
Andamos
por aí vendo a ribeira, a qual é de muita água e muito boa. Ao longo dela há
muitas palmas, não mui altas, em que há muito bons palmitos. Colhemos e comemos deles muitos.
Foram
bem uma légua e meia a uma povoação, em que haveria nove ou dez casas, as quais
eram tão compridas, cada uma, como esta nau capitânia. Eram de madeira, e das
ilhargas de tábuas, e cobertas de palha, de razoada altura; todas duma peça só,
sem nenhum repartimento, tinham dentro muitos esteios; e, de esteio em esteio,
uma rede atada pelos cabos, alta, em que dormiam. Debaixo, para se aquentarem,
faziam seus fogos. E tinha cada casa duas portas pequenas, uma num cabo, e
outra no outro.
Desde o começo os primeiros habitantes eram
prestativos, queriam agradar:
Depois
acudiram muitos, que seriam bem duzentos, todos sem arcos; e misturaram-se
tanto conosco que alguns nos ajudavam a acarretar lenha e meter nos batéis.
Tinham interesse por novidades:
Muitos
deles vinham ali estar com os carpinteiros. E, creio que o faziam mais por
verem a ferramenta de ferro [...] porque eles não têm coisas que de ferro seja,
e cortam suas madeiras e paus com pedras feitas como cunhas, metidas em um pau
entre duas talas. E era já a conversação deles conosco tanta, que quase nos
estorvavam no que havíamos de fazer.
Outras possibilidades:
Parece-me
gente de tal inocência que, se homem os entendesse e eles a nós, seriam logo
cristãos, porque eles, segundo parece, não têm, nem entendem em nenhuma crença.
[...] Portanto Vossa Alteza, que tanto deseja acrescentar a santa fé católica,
deve cuidar da sua salvação. E prazerá a Deus que com pouco trabalho seja assim.
A mandioca ainda
não lhes foi apresentada. Deram-lhe um nome que conheciam de outras paragens:
Eles
não lavram, nem criam [...] Nem comem senão desse inhame, que aqui há muito, e
dessa semente e frutos, que a terra e as árvores de si lançam.
Mais gente queria ficar na terra:
Creio,
Senhor, que com estes dois degredados ficam mais dois grumetes, que esta noite
se saíram dessa nau de esquife, fugidos para a terra. Não vieram mais. E cremos
que ficarão aqui, porque de manhã, prazendo a deus, fazemos daqui a nossa
partida.
Enfim...
Não
pudemos saber que haja ouro, nem prata, nem coisa alguma de metal ou ferro [...]
Porém, a terra em si é de muito bons
ares, assim frios e temperados [...] Águas são muitas.
Ah! Ia me esquecendo! Antes de finalizar a
Certidão de Nascimento do Brasil, Pero Vaz de Caminha pede um favor político:
E
pois que, Senhor, é certo que, assim neste cargo que levo, como em outra qualquer
coisa que de vosso serviço for, Vossa Alteza há de ser de mim muito bem
servida, a Ela peço que, por me fazer singular mercê, mande vir da ilha de São
Tomé a Jorge Osório meu genro – o que d’Ela receberei em muita mercê. Observação: Para ser deixado numa ilha, o genro não devia ser boa coisa, mas com apadrinhamento político se consegue muita coisa. E continua sendo assim até hoje!
Beijo
as mãos de Vossa Alteza.
Desse Porto Seguro, da vossa Ilha
de Vera Cruz, hoje, sexta-feira, primeiro de maio de 1500.