quarta-feira, 28 de outubro de 2015

ABENÇÃO, UBATUBA!


 
Saída da Barra do Rio Grande
Abenção, Ubatuba! Trago comigo o recibo de um grande pacto de amor com você. Quando nasci, meu umbigo foi enterrado na goteira lá de casa, para que eu nunca esquecesse de minha origem. Esse evento era costume das parteiras antigas. Selava assim o compromisso de sempre lhe respeitar, amar e louvar o berço que me ofereceu a luz da vida.
Abenção, Ubatuba, terra de Aimberê, Joanhangaro, Cunhambebe, Coaquira, Pindobuçu, os cinco guerreiros índios do Brasão Municipal. Terra de Sebastião e Josefa Rita, Salvador e Isabel meus avós, Maria e João meus pais.
Abenção, Ubatuba, terra de pescadores, poetas e trovadores, semeadores de imaginação.
Abenção, Ubatuba, onde o primeiro lume do verão é derramado nas areias de Iperoig. Onde o vento brinca de pique esconde nas velhas amendoeiras. Onde o Pico do Corcovado é um gigante adormecido guarnecendo seu território. Onde o poeta um dia discursou fervoroso: - “Tu és uma pérola incrustada junto ao mar.”
Abenção, Ubatuba, pela folia e festa do divino, pela corrida de canoas, pela folia de reis, pelo xiba, cana-verde, ciranda, tontinha, procissão de São Pedro Pescador, dança de boizinho, dança da fita, dança do chapéu, dança de quadrilha, blocos de enredo. Artesanato em madeira, palha, cipó, trançado, conchas etc.
Abenção, Ubatuba, pelo peixe com banana verde, amarelo marinho, bolinho de camarão, tainha assada, caldeirada, camarão com mamão verde, caiçarinha, concertada, pixé, pato com mandioca, frango com banana verde e paçoca de banana.
Abenção, Ubatuba, por se deixar tatuar o Poema à Virgem pelas mãos do Apóstolo do Brasil Santo Padre José de Anchieta, sob o Trópico de Capricórnio.
Abenção, Ubatuba, ainda que permita que seres passem por ti em procissões errantes, em lufadas diacrônicas. Deixando pegadas de dor, sem a visão de uma doce sincronia, esculhambando contigo, com a falta de respeito e amor ao próximo. Mas, borá lá, na fé da eclosão da primavera em flor! Quem sabe um cortejo de átomo de luz conduza quem percorre os mesmos ideais, e os gestos de amor por ti frutifique.
Abenção, Ubatuba, neste seu aniversário. Apraz-me contemplar-te, como namorados contemplam a lua. Contemplo-a com a alma agradecida por ter me dado as diversas marés que fortalecem laços ou desatam nós.
Parabéns, Ubatuba, por seus horizontes e mares e montes sem fim, seu céu estrelado, de azul anilado, suas matas seus rios, seu povo abençoado!

Nota do Editor: Fátima Aparecida Carlos de Souza Barbosa dos Santos, ou simplesmente Fátima de Souza, é, sem dúvida, a primeira caiçara da sua geração a escrever sobre temas do cotidiano local. É autora de Arrelá Ubatuba.
FONTE: O GUARUÇÁ

sexta-feira, 23 de outubro de 2015

A FORÇA DAS PALAVRAS

Tio Dico, Tia Baía... e nós...no Rio Quiririm (Arquivo JRS - 1993)

           Quem, de vez em quando, não se lembra de alguma palavra que está em desuso, mas que fazia parte do linguajar de outros tempos, servindo na comunicação de nosso povo?
           “Não carece”.
           “Fez um fuzuê”.
           “Quando me precatei”.
           “Aquilo é uma pândega só!”.
           “Deixa de corrimaça, menino!”.
           “Isso é engodo”.

           Nestas frases estão alguns exemplos. Muitas outras, apesar do tempo e de até mesmo seus criadores já não existirem, continuam fortes. No Brasil, em especial em Ubatuba, é o caso das palavras herdadas dos indígenas do povo Tupinambá, os antigos habitantes desta terra. Elas têm força mesmo!

                O viajante francês, Charles Ribeyrolles, no reinado de Pedro II, escreveu isto:

                “Lê-se em certos cronistas brasileiros  que o gracioso nome  - Campos dos Goitacazes  - 
Deriva, em língua indígena, de outra palavra – Goitacamopi  - que significa campo de delícias.
                Não sou bastante versado em dialetos da floresta para afirmar ou contraditar essa etimologia lendária; sei, porém, o quanto primam os selvagens em representar por um vocábulo a beleza, a magia dos lugares, e quando vi Campos, seu rio, seus bosquedos, suas planícies sem fim, tocando o horizonte, a oeste, o vasto anfiteatro das montanhas, exclamei, com os Puris e os Coroados – Campos de delícias!”

No caso de Ubatuba, “terra de muitas ubás” foi anexada ao nome dado pelos portugueses como complemento. Assim, com este nome, nasceu esse lugar caiçara:  Vila Nova da Exaltação da Santa Cruz do Salvador de Ubatuba. Agora, depois de tanto tempo, quando nem sombra de tupinambá resistiu, o que ficou? Somente Ubatuba, o vocábulo que realmente bastava para dizer tudo do nosso lugar!

E onde abundava ubás? Próximos dos rios! Era a mata ciliar que segurava as ribanceiras dos nossos límpidos e piscosos veios d’águas.  Hoje, testemunhando as ocupações desordenadas, os condomínios chiques, a tomada das margens dos rios, os canos de esgotos que consomem o nosso meio ambiente, as estações de tratamento de esgotos que espalham a fedentia desde a madrugada etc., fico imaginando qual seria a denominação que um tupinambá daria ao nosso lugar.       

terça-feira, 20 de outubro de 2015

MEMÓRIA DO MAR (II)

Amendoeiras se renovando na areia tão familiar a nós.(Arquivo JRS)
Na segunda parte de sua poesia, Santiago Santi nos convoca a reencontrar uma harmonia que se fez pelos milênios, mas que bastaram algumas décadas de cobiça para destroná-la e ameaçar todas as vidas que desse ambiente dependem, inclusive a nossa.


Não seria mais inteligente ser irmão dessas coisas, utilizando-as quando preciso, mas sem exauri-las, para a própria sobrevivência,
e para a sobrevivência dos filhos e dos filhos dos filhos...
Mas pode ser que dizer isso, por mais óbvio que seja, porque não somos nós que dizemos, mas a própria terra e o planeta,
pode ser que dizer essas coisas
seja incompreensível aos seus ouvidos, tão habituados a só ouvirem
as suas próprias palavras.
Mas nada disseram sobre as casas que colocariam em cima do jundu.
Talvez não soubessem o que é jundu,
Talvez achem normal,
em nossa ignorância pensamos que justiça era mais do que apenas
uma palavra para uso exclusivo
de alguns poucos.
E esperamos por ela até hoje, mas já sabemos que ela não virá, ela habita
as taças de vinho nas mesas das mansões com vista para o mar, nas sacadas dos hotéis dependurados nos morros
ela anda em grandes carros importados, não em canoas ou
descalça por trilhas nas matas.
Pensamos que as coisas boas que disseram que viriam eram para todos e
não só para eles mesmos...
Agora quando passamos por antigos caminhos de terra que foram asfaltados
olhamos e vemos remos cruzados enfeitando paredes imensas onde antes havia apenas a encosta e o mar, vemos réplicas de canoas
penduradas sobre varandas vazias e nos parece um tanto sem sentido
enfeitar as casas com objetos que mais parecem de saque.
Isso é muito parecido ao que os piratas e os portugueses e espanhóis faziam...
Mas não é a memória que é curta, é a ganância que é longa e
a história é sempre contada por aqueles
que roubam do outro a chance de contá-la, e de vivê-la,
quando todos são capítulos únicos do mesmo livro da vida
escrito página a página por milhões de anos por todas as espécies que já habitaram esta terra
A nenhuma delas é dado o direito de rasgar estas páginas!
Por que então as rasgamos?
Nossa própria história humana!
O mar
continua batendo nas costeiras das ilhas remotas
como a contar uma história que nunca se recorda
mas que todo dia apaga-se um pouco
em cada remo que deixa de cortar as águas, em cada rancho esquecido,
em cada rede que jaz abandonada, em cada canoa que apodrece num canto, em cada nascer do sol e em cada poente
Até que um dia o mar não nos reconheça mais e nós
não nos reconheçamos no espelho de suas águas.
Onde estaremos quando os últimos peixes forem arrastados pelos grandes navios industriais que rasgam o ventre das águas incansavelmente?!
Quando as casas ruírem de volta ao barro do chão que as moldou?!
Quando cada palmo de chão for loteado e cimentado?!
Quando o último acorde da última rabeca ecoar
nas ruas vazias numa madrugada perdida no tempo
e procissões de lembranças passarem pela última vez
sob as janelas que se fecham.
Passaremos, mas aquilo que aqui vivemos
nestas terras que viram gerações crescerem e sucederem-se
e plantarem e remarem e nadarem nessas águas e voltarem
para a terra que a todos recebe sem perguntar o nome,
tudo isso de algum forma ficará?!
As coisas que aprendemos com o ciclo das estações,
as maneiras de compreender as plantas e os animais, dos quais
dependemos tanto quanto cada ser vivo depende do outro para
que todos tenham sua cota de existência nesse mundo,
os modos de tratar tudo aquilo que nos rodeia
sem a pressa de modificar o natural.
Nunca dissemos que nossa cultura era mais sábia do que qualquer outra
pois, todas, em todas as partes remotas do mundo
são apenas faces distintas de uma só cultura, a humana,
e, como em toda a natureza, é a diversidade que garante a vida.
Também nunca entendemos porque nos classificaram, rotularam e
diminuíram em comparação com esse modo de vida tão destoante
com toda a vida ao redor, não nos parecem tampouco sábios
aqueles que nos chamam de tolos.
Ficará algo?!
Quantos pescadores lançarão suas redes daqui a uns anos?!
Quando os mais velhos repousarem suas vidas e seus barcos
no oceano do tempo solto.
Quando as águas já não tiverem mais lembrança dos vastos cardumes
que viajavam pelas ilhas do sem fim,
quando os rios sufocarem sua voz de água para sempre
e os manguezais não mais serem os berçários do oceano, pois
é roubado das espécies o tempo delas crescerem.
Não existem culturas em museus, mas apenas restos e registros delas,
museus são grandes mausoléus de objetos que sempre duram mais
do que quem os fez...
Uma cultura habita o dia a dia de um lugar, de uma gente, é uma relação
não uma página já pronta, assim como o mar
é sempre o mesmo, mas nunca igual a cada dia.
E não foi em um dia que aprendemos a ler as entrelinhas das ondas e os caminhos do vento...
A humanidade é uma transição de culturas, mas sempre tem prevalecido
a transição pela força e para onde esse modo de agir nos levará
é algo que já está acontecendo...
E o que se perde aqui
é o que se perde cada vez que que num canto distante, numa ilha ou
em qualquer lugar do mundo, aqui ou na amazônia,
uma aldeia desaparece, um povo morre, uma floresta acaba, e com ela, espécies muitas vezes nem conhecidas, mas tão importantes quanto tudo,
substituídos por um número num papel.
Isso pode parecer distante para alguns, ou para muitos, mas
também foi para nós um dia...
Talvez algo restará,
no calor da terra, alimentando-a com nossa frágil e efêmera matéria ou
no ventre do mar, de onde um dia todos nascemos, nesse olhar que perdura
sobre o tempo em forma de alguma canção ou poema,
permaneceremos.
Talvez num olhar puro de uma criança em frente ao mar, descendente
de um povo que por muitos séculos integrou-se a um lugar
de forma muito próxima ao que poderia se chamar de harmonia, talvez
algo fique ainda por uns tempos na memória do mar, ou
enquanto o mar existir
porque a memória do mar
é mistério
que ninguém sabe explicar.


sábado, 17 de outubro de 2015

MEMÓRIAS DO MAR (I)


Visão a partir de um Caminho de Servidão (Arquivo JRS)

                Dias atrás, no mesmo ônibus que saía com destino a Caraguá, embarcou um cidadão tranquilo, logo puxando conversa. Disse ter me reconhecido a partir da fotografia deste blog. "Gosto muito das coisas que você escreve. Até tenho aproveitado para desenvolver o meu trabalho, na faculdade...". Enfim, tive o prazer de conhecer Santiago Santi, um guerreiro de outras terras que vai se acaiçarando. Hoje, tenho a satisfação de apresentar aos amigos a primeira parte deste texto reflexivo a partir da natureza e da cultura caiçara. Boa, amigo! Bem-vindo ao blog!

Memória do mar - Parte I

O mar
sempre a olhar nossos caminhos, mesmo em terra
parece dizer o quanto nos afastamos, o quanto deixamos de ser
o que sempre fomos... quase nem temos mais sal nos cabelos
e nossas roupas desgastam-se sem tocar a água...
Nossas casas estão longe da praia, ruindo lentamente.
A terra, na qual tanto andamos e de onde colhemos
o que era preciso, sem demasia, nos espreita em silêncio e
já não podemos mais tocá-la, as raízes que nos uniam a ela
agora são as historias que contamos aos mais jovens, mas
muitos já não prendem seus ouvidos nelas, as cores e as tintas
que as coloriam desbotam como o cal das paredes
e escorrem pela praia vazia.
As canoas observam lentamente o tempo
comendo suas bordas, paradas
longe da praia elas nem parecem canoas
mas apenas um toco que a maré lança na areia, roído pelos anos.
Um silêncio mareado paira sobre as praias
como se fosse o mesmo silêncio que se ergue das águas depois das tormentas
e vão surgindo nas praias as madeiras e restos dos naufrágios da noite...
Há rostos salgados de sol e queimados de sal
mirando o mar com o olhar indecifrável de um moai...
Olhos que aprenderam a ler o mar através dos séculos
vindos de outros olhares mais profundos...
Ou são rostos de madeira talhada pelo tempo
sob velhos chapéus de palha na maresia dos dias
observando o mar e observando as marés humanas
indo e vindo à deriva em seus próprios mundos
como barcos que nunca navegaram e ilhas que nunca se encontram.
Velhos pescadores sentados à beira do tempo, à sombra de uma árvore
que ainda tem na memória esses mesmos rostos ainda meninos
soltos nas areias como peixes no mar...
Será que vamos nos tornando ilhas num mar do tempo
a navegar nossos silêncios oceânicos cada vez mais fundos?!
Então um vento novo veio de longe, mas não era um vento natural, 
era antes de tudo uma ilusão trocada pelo corpo, pela alma e pela vida,
na qual ter é mais necessário do que conviver e confundiram isso com a verdade e
disseram que era necessário construir estradas, e
as estradas cortaram tantas árvores em tão pouco tempo
que era impossível conta-las, caindo sob os dentes de metal
das grandes serras e tratores.
Quem viu os olhos das crianças e dos animais
atordoados pelo ronco das gargantas dos motores?!
Depois disseram que não era mais permitido cortar algumas árvores
para fazer as canoas e chamaram isso de crime
mas à estrada chamaram progresso...
E nunca demos a eles escolher por nós o que é permitido ou não...
Cortaram as matas e cortaram o caminho para o mar...
Disseram que era necessário pagar pela terra
em que sempre habitamos, geração a geração,
e colocaram preços que não alcançávamos,
Quiseram nos convencer com documentos inventados em cartórios distantes
por gente que não sabia nem os nomes das praias.
Disseram que era terra do governo ou de pessoas que nunca estiveram aqui,
a não ser para vir dizer que não eram nossas as roças, os caxetais, a restinga ou qualquer lugar onde andávamos livres como nossos antepassados índios,
e, assim como nossos antepassados índios, resistimos, mas
também estamos deixando de existir
Disseram que éramos “iletrados” e vagabundos
porque as coisas que sabemos não eram as mesmas dos seus livros, e
não pensaram que talvez pudessem ter tentado aprender algo sobre o modo como vivemos ao invés de impor o que não conhecemos e a maneira com que vivíamos o tempo era diferente
daquela registrada nos relógios , mas o tempo que aprendemos
nos foi ensinado pela própria natureza através dos seus ciclos
Hoje, esses ciclos estão mudados de uma tal forma
que não mais sabemos
o que dizer
quando olhamos o céu ou sentimos o vento ao amanhecer.
Mas não sabemos de que pode servir um diploma ou
um título de qualquer coisa
quando se está num barco que vai afundar, e não se sabe nadar...
Esse barco é o que tem-se feito com o planeta!
Conhecimentos diferentes de lugares diferentes
deveriam gerar algum tipo de sabedoria unidos, mas muitos
são os que preferem destruir o que não entendem...
E muitos são os saberes que se perdem, e isso não nos parece
muito com desenvolvimento...
Os rios ainda seguem para o mar, mas parecem pesados, como se carregassem um grande fardo de lenha nas costas,
suas águas carregam odores que não existiam e os peixes
pouco a pouco foram desaparecendo e não há crianças
em suas margens, mas apenas plásticos, pneus, cimento
Então disseram que estas seriam terras protegidas por lei
e chamaram de parque, mas não disseram nada
sobre proteger quem vivia nessas terras muito antes do parque,
nem sequer perguntaram nossos nomes!
Proibiram nossas roças porque disseram que ela degradava a mata,
mas é o mesmo tipo de roça que os índios praticaram por séculos
e eles eram muitos, cobriam toda essa terra...
Mas, quando olhamos, não nos parece que nosso plantio
tenha feito mais devastação em todos esses séculos
do que a que houve em apenas quarenta anos
desde que chegou a estrada e chegaram as casas imensas
penduradas nas costeiras com suas piscinas azuis e guaritas e vigias armados
nas entradas das praias.
E, de repente, as praias em que andávamos descalços
eram propriedade particular de alguns que nunca vimos
caminhar nessas areias antes e
fomos empurrados para longe da linha das marés.
Uns, não poucos, sucumbiram à tanta informação e valores estranhos
e partiram em troca de algo que não eram ou que não sabiam ser, outros
enganados pela cobiça, que é mais ligeira do que as cobras do mato,
acreditaram no que a ilusão dizia e o tombo foi derradeiro, uns ainda, foram ser caseiros de grandes casas vazias a maior parte do tempo, por um salário, um pequeno lugar atrás delas, para morar, eles, que eram livres nesses terrenos...
Apenas mais um tipo de escravidão.
Casa grande e senzala.
A vida é grande demais para caber em salários medíocres,
para alguém se pretender dono do chão e da água e das árvores.

quinta-feira, 15 de outubro de 2015

A PRAIA DO TITIO

     
Na Caçandoca, em 12 de outubro de 2015: Tio Toninho, descendente do Zé Lourenço, da Ilha do Mar Virado (Foto: Ostinho)
   
        Olá, Zé Muniz! Bem-vindo ao blog!

      
        “Depois do rio do Inhame, moravam bem perto um do outro: Manoel Lourenço Garcêz (filho do Zé Lourenço, da ilha do Mar Virado), o Benedito Araújo (pai do Constantino) e o Paulo Custódio. Do lado de baixo, mais perto da costeira, morava o Adelino Benedito de Araújo (irmão do Constantino). Depois, como quem seguia para a Praia do Abreu (Saco das Bananas), chegava às casas do Valdomiro Custódio dos Santos, do Teófilo Custódio dos Santos, do Estanislau Marcolino Antunes de Sá e da Maria Jacinta de Jesus (filha de José Francisco do Nascimento), casada com Antonio João de Oliveira. Na Praia do Abreu eram duas famílias: Gregório Crispim (que mais tarde venderá a sua posse para o Bassin) e Anastácio Crispim (pai do Gregório). É bom dizer que toda essa área, desde o rio do Inhame até o espigão do Saco dos Morcegos, era da família da Odócia, minha mulher [...]”.


            A trecho citado, da prosa do saudoso Aristeu Quintino, aqui publicado noutra ocasião, tem apenas um propósito: mostrar onde estão as origens do Tio Garcêz. Mas por quê? Porque, olhando um mapa turístico do município de Caraguatatuba, desses que dizem os nomes das praias e dá as suas características, algo me chamou a atenção: depois da Pedra da Freira tem um lugar aconchegante por nome de Prainha do Garcêz. Pensei: será o Tio Garcêz?!? E não é que é mesmo?!?

            O Tio Garcêz, natural da Praia do Abreu, hoje denominada de Saco das Bananas, era um dos filhos do Zé Lourenço [da Ilha do Mar Virado]. A profissão, como a totalidade dos antigos caiçaras, era ser roceiro e pescador. Como bom caiçara também adorava dançar e festejar. “O titio amanhecia no bate-pé: era xiba, ciranda, cana-verde e o que mais viesse”, conforme me garantiu o Tio Toninho, o da fotografia. Por volta dos vinte anos, ele desposou a Tia Anastácia.
            Tia Anastácia era minha tia-avó, irmã da Vovó Martinha, da Tia Luzia, da Tia Sebastiana, da Tia Apolônia, do Tio Geraldo e da Tia Tereza. “Tudo gente nascida e criada na Praia do Pulso”.

            Após o casamento, Tio Garcêz e Tia Anastácia, seguindo caminho do Porto do Eixo, se detiveram a meio caminho do Morro dos Amorim. “Amorim era avô da Anastácia. Era da nossa família toda aquela área onde, por tanto tempo, meus avós produziram arroz, milho, banana e mandioca. Minha bisavó Zulmira era Amorim – descendência moura, né?”. Ali, no rio que antecede a “Vargem”, fizeram uma posse e viveram bons anos. Casa caiçara, pobre, feita de pau a pique rebocado, mas “com uma sala assoalhada para poder promover sempre um bate-pé, um espaço para festejar com os amigos, com a irmandade”.

            “Um belo dia o Garcêz me chamou...” – disse o Vô Estevan – “...e me ofereceu a casa porque arranjou um serviço em Caraguá. Era para tomar conta de uma propriedade de um ricaço, numa praia perto do centro da cidade”. Depois disso, o vô, a vó e os oito filhos se mudaram da casa do Morro do Cemitério (onde depois moraram o Tio Ezídio e o Candinho). Disso o Tio Neco lembra bem: “Parecíamos formigas carregando esteiras, algumas vasilhas e poucos panos. Atravessamos a barra e fomos pelo lagamar até chegar à nova casa e se encher de alegria”.

            “Na tal praia, hoje conhecida como Prainha do Garcêz, o titio morou por mais de vinte e cinco anos. Foi ele quem abriu, costeando o mar, a estrada que até hoje permite as pessoas irem até as prainhas [do Garcêz e do Robalo]. No seu lugar, ficou tomando conta do lugar o Seo Vicente, cujos filhos até hoje moram lá. São exímios remadores. O titio só saiu da prainha depois que comprou uma área na Martim de Sá, onde terminou os seus dias”. Desse tempo, da casa do Tio Garcêz, onde foi a festa de casamento do Tio Neco e da Tia Neuza, eu me lembro bem. Eu era adolescente e papai fez questão de me levar.

            Tio Garcêz era muito querido, se dava bem com todo mundo...Tinha crédito em qualquer ponto de comércio. Não tinha como não se sentir bem estando junto dele. Por isso... bem nomeada a Prainha do Garcêz!

Agradeço ao Pedro Caetano pelos comentários que enriquecem minhas postagens. Desde já, um forte abraço caiçara.

Olá amigo Ronaldo, incrível como as famílias do nosso litoral se entrelaçam! Seu Aristo [Aristeu], foi um querido amigo. Eu tinha uns 14 anos e gostava de mergulhar, conheci a Ponta Aguda, Lagoa, Simão, pelo seu sobrinho Afonso, filho da Dona Brígida, chamada de Oleosa. Jogamos bola no campinho da praia da Lagoa, dormi muito no posto da ASEL. Lendo seu texto me deparei com um entrelaçamento com minha família. A praia que você chama de Garcez se chamava de Praia do Bonifácio. Bonifácio Era meu Bisavô, pai da minha Avó Maria Bonifácio. Meu bisavô vendeu esta praia e daí foi morar seu Garcez, muito amigo de meu Avô Olegário Henrique de Oliveira (Olegário Coleta). Ambos eram funcionários do governo na antiga malária [SUCEN]. Conheci o senhor Garcez, seus filhos, netos que até hoje são amigos meus e também hoje fazem parte de minha família. Obrigado pelo texto; vou mandá-lo para os netos do senhor Garcez.
Ah! Depois do Garcez, quem morou lá por mais de 30 anos foi o Senhor Benedito Costa, um exímio pescador. Em seguida, quem habitou aquela praia foi o Senhor Vicente
Esta Praia hoje se chama Cambury.