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Noite de lua - Arquivo JRS |
Tio Dário Barreto, da praia da Fortaleza, divagava em muitas prosas. Acredito que ele inventava bastante coisas para nos impressionar pelas palavras; misturava tudo com as suas experiências e conhecimentos para nos fazer rir e pensar. E conseguia! Todo mundo silenciava para ouvi-lo. Dificilmente ele se encontrava sozinho em algum lugar. Com o passar do tempo, ele ficou lento nas passadas, trôpego das pernas, com vistas curtas, mas nunca perdeu o dom de nos cativar pelas prosas. Certa vez eu perguntei a ele porque a nossa gente não dizia o nome de determinada doença incurável, chamando apenas pelo nome de "doença feia". Eis a resposta dele:
"Saiba de uma coisa, menino: não presta a gente falar o nome de coisa ruim porque isso atrai o que não presta. É por isso que "coisa feia" é dita, para não resultar em mais doença [cusparada] que ainda ninguém conseguiu achar um remédio, não tem cura. Do mesmo modo não se pode chamar alguém de louco, de retardado [cusparada]. Também nunca diga o nome do anjo mau, que zela pelo inferno [cusparada]. Ele vem se as pessoas ficarem chamando. Cruz-credo! [se benzendo] Os nomes têm força, menino. Dentro de cada palavra mora um sentido com força. Ponha mão nessa pedra aí. Tais sentindo a dureza, o limo grudado nela? Tais sentindo o cheiro e o calor dela? Pois é, assim são os nomes! Uma porção de coisas dependem deles, lhe emprestam sentidos, têm força [energia] e afetam a gente ao serem ditos. Por isso eu recomendo: cuidado com as palavras que saem da sua boca. Quando não puder dar uma guspalhada, bata na boca no mesmo instante"
Naquele tempo de criança em aprendi que cada cusparada queria expressar repugnância, coisa que não se desejava; palavra ruim que precisava ser cuspida, sair da nossa boca e se perder no chão. E o ato de se benzer era pedir a benção divina para nos livrar de todo mal, de todas as maldades resultantes do espírito maligno. Ah, como é difícil não se lembrar desses traços culturais!
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